Título: Dirceu: 'Cometemos erros imperdoáveis'
Autor: João Domingos
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/08/2005, Nacional, p. A6

Presença freqüente nas salas de exibição da Academia de Tênis até pouco tempo atrás, o deputado José Dirceu (PT-SP) já não se arrisca a enfrentar filas para ir ao cinema. Contenta-se em alugar filmes e vê-los em casa, já sem o ineditismo das películas recém-lançadas. "Mantenho o costume de ver filmes. Tenho visto muitos", diz. Mas não consegue lembrar quais. "Estou com a memória ruim por causa de tantos problemas. E muito cansado", contou ele ao Estado, a bordo de seu Vectra azul e ao lado de um guarda-costas que nunca se separa dele. A grave crise política em que se meteram o PT e o governo e o processo que pede a cassação de seu mandato obrigaram Dirceu a mudar radicalmente os hábitos. Um deles foi desaparecer das filas dos cinemas nos fins de semana. Outro foi ver as CPIs de um novo ângulo, agora o de quem pode ser chamado a sentar na cadeira que o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza chamou de "humilhante". As CPIs, que deram fama a Dirceu, hoje são seu pesadelo. "Com tantos problemas, o senhor consegue dormir bem?" Ele responde: "Consigo, mas sonho com as CPIs. Tenho que viver de olho nelas."

TEMIDO

Integrante de uma das mais rumorosas CPIs da história, a de PC Farias, Dirceu transformou-se rapidamente em estrela da investigação que resultou, em 1992, no impeachment do ex-presidente Fernando Collor, graças à equipe que montou. Com ela, pôde fazer uma investigação paralela que infernizou não só a vida de Paulo César Farias, o PC, ex-tesoureiro da campanha de Collor, mas o próprio ex-presidente.

Aquela equipe, que permitiu a Dirceu tornar-se um temido carrasco dos que depunham, conseguiu, por exemplo, rastrear o caminho do dinheiro de PC Farias no exterior e os vôos feitos pelo empresário no jato que logo ganhou o apelido de "morcego negro".

O hábito da leitura Dirceu dividiu em dois: das 6h às 8h, ele lê todos os jornais pela internet. "Em seguida, faço reunião com meu pessoal, com meus advogados, preparo alguma nota de esclarecimentos, se for o caso."

Livros, ele lê à noite. Lembra-se de dois: A Noite das Grandes Fogueiras e Mercador de Café. O primeiro é do jornalista Domingos Meirelles. Apesar do título que remete ao momento atual, não trata do drama dos petistas. Refaz a trajetória da Coluna Prestes. Por relatar um movimento político, tem muito a ver com a vida de Dirceu. O outro, de David Liss, nem tanto, a não ser pelo fato de ser um livro de suspense, gênero ao qual se enquadra hoje a vida de Dirceu.

ERROS

Ao deixar a Casa Civil, em junho, teve de abandonar a luxuosa mansão em que vivia, na Península dos Ministros, que passou a ser ocupada por Dilma Rousseff, sua substituta. Mas ele diz que não se importa. "O apartamento é confortável. Não tem problemas." Problema mesmo é o momento que vive. "Dá para segurar. Já enfrentei coisas piores." Depois, retifica o que falara cinco minutos antes, o que pode ser fruto do seu cansaço. "Vejo o momento como o mais grave, uma tragédia tudo isso que aconteceu."

"O PT está acabado, então? O presidente Lula acabou?" Ele responde: "Não acho que o presidente Lula acabou. Acho que a situação é difícil, mas ele tem condições de se reeleger. Por isso, não concordo quando o Tarso Genro (presidente interino do PT) diz que não há motivos para votar no PT, que o Lula acabou." Em seguida, Dirceu admite que o PT errou muito. "Claro que cometemos erros imperdoáveis." "A culpa é do Delúbio Soares (ex-tesoureiro do PT)?" A resposta está na ponta da língua: "Não falo sobre isso." Outra pergunta: "Há corrupção no governo?" Dirceu reage: "Não há corrupção no governo Lula."

Cria-se aí um paradoxo, porque o processo no Conselho de Ética acusa Dirceu de estar envolvido na compra de votos de parlamentares, o esquema do mensalão. Ele rebate: "Não existe mensalão. Se eu for cassado, ainda viverei pelo menos 20 anos para provar minha inocência. Vou para as ruas, para onde for possível falar. Mas não vou deixar nada sem resposta." Diante de toda essa situação, mais uma pergunta: "O senhor reza?" Ele devolve, imediatamente: "De jeito nenhum. Não preciso."

Surge outra pergunta: "O senhor é mesmo stalinista, como dizem até mesmo seus colegas?" "De jeito nenhum. Sou um democrata. Tudo o que fiz no PT, como a eleição direta para presidente, consegui depois de anos de luta. Fui eleito para o Centro Acadêmico, para a União Estadual dos Estudantes, sempre de forma direta. Eu não imponho nada." Outra pergunta: "Então, por que o senhor é considerado arrogante, autoritário?" Dirceu: "O meu problema é que penso as coisas. E quando penso, arrebento. Não é que seja arrogante".