Título: Renan tenta acabar com clima de guerra entre CPIs
Autor: Luciana Nunes Leal
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/08/2005, Nacional, p. A7

Na terça-feira, presidentes e relatores das três comissões parlamentares de inquérito (CPIs) que investigam denúncias de corrupção envolvendo o governo e o Congresso devem se reunir para uma missão impossível: serenar os ânimos, encerrar brigas e definir o foco de cada uma. O mediador do encontro deve ser o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). O esforço pela paz se dará depois de uma semana em que as CPIs dos Bingos, do Mensalão e dos Correios entraram em conflito várias vezes, disputando atribuições e holofotes. As investigações dos fundos de pensão e das remessas ilegais de dinheiro para o exterior são os principais motivos da discórdia atual. "Ou nós nos entendemos ou nos desmoralizamos", reconhece o deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), relator da CPI dos Correios.

O auge do que o senador Ney Suassuna (PMDB-PB) já chama de "marcha da insensatez" foi a aprovação, nas três CPIs, da convocação de uma mesma pessoa: o doleiro Antônio Oliveira Claramunt, o Toninho da Barcelona, que cumpre pena de 25 anos em São Paulo.

"Na hora dos relatórios, vai ter morte", diz Suassuna, titular de duas CPIs, a do Mensalão, última a ser criada, no início deste mês, e a dos Correios. É justamente esse o temor do deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR), da CPI dos Correios. "Vai ter canelada até o fim. Mas o que não pode é haver choques nos relatórios. Por isso, é preciso definir o foco de cada investigação", afirma Fruet.

Em tese, a CPI dos Bingos, criada em 30 de junho, apresentaria um relatório sobre o esquema de corrupção envolvendo empresas privadas, governos municipais, estaduais e federal. A do Mensalão abordaria a denúncia de que deputados da base aliada recebiam mesada para votar com o governo. E a dos Correios se concentraria na origem do dinheiro que irrigou a suposta distribuição do mensalão e o esquema de caixa 2 para pagar dívidas de campanha, já confessado pelo ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares e pelo empresário Marcos Valério Fernandes de Souza.

Mas esta é apenas a teoria. Serraglio já avisou que vai propor a cassação dos deputados que receberam dinheiro de Marcos Valério, provocando a ira da CPI do Mensalão. Os que apuram a compra de votos, por sua vez, resolveram investigar também os fundos de pensão das estatais, que, se suspeita, fizeram grandes investimentos no Banco Rural e no BMG para que, em troca, o PT conseguisse empréstimos nas duas instituições, por intermédio de Marcos Valério.

"Não descarto que eles tenham entrado na questão dos fundos como uma reação porque nós decidimos fazer a lista dos deputados que fizeram saques das contas do Marcos Valério. Como se estivessem dizendo: 'Vocês entraram na nossa, vamos entrar na de vocês.' Não sei se vai ser necessário, mas talvez o presidente do Congresso tenha de definir o que caberá a cada comissão", diz Serraglio.

FAMA

No centro da disputa, estão os depoimentos que, por serem muitas vezes transmitidos ao vivo pela TV Senado, dão momentos de fama aos parlamentares. São raros os depoimentos que duram menos de 5 horas e cada vez mais freqüentes os que não rendem uma informação relevante sequer. Foi o que ocorreu nas mais de sete horas de depoimento de Marcos Vinícius Vasconcelos Ferreira, genro do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), à CPI dos Correios. Ele negou as acusações de tráfico de influência, disse que já sabia do mensalão havia muito tempo e, sempre que pôde, fez elogios rasgados ao sogro.

Até a CPI dos Correios, que tem os parlamentares mais experientes, não foge à disputa das vaidades e convocações desnecessárias. Se forem ouvidos todos os suspeitos e testemunhas que as três CPIs planejam, serão mais de cem depoimentos daqui para frente. Só uma lista entregue por Valério à CPI do Mensalão tinha 70 nomes de pessoas que receberam dinheiro. "A culpa é do governo, que primeiro não queria nenhuma e depois estimulou a criação de mais de uma CPI. Agora, fica essa situação em que uma pessoa vai ser ouvida nas três comissões", diz o senador Heráclito Fortes (PFL-PI).