Título: 'PT não tem mais condições de governar'
Autor: Mariangela Hamu
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/08/2005, Nacional, p. A8

Ainda acha que o PT será o maior inimigo do presidente Lula nas próximas eleições? Acho que o PT será o grande inimigo do presidente Lula em 2006. O PT não fez a revisão crítica de seu programa - a autocrítica tão falada por eles - e, principalmente, de seus métodos. A superposição entre partido e governo e, agora, as evidências de que o projeto de poder do partido induz a utilizar o Estado para obter recursos e usá-los para fins privados do partido distorcem a democracia.

O prefeito José Serra disse que esta crise foi produzida pela sede com que o "neopatrimonialismo sindicalista-bolchevique, sem nenhuma utopia de igualdade" tentou tomar de assalto o Estado. O sr. concorda?

O PT nunca foi um partido homogêneo. Mas ele tinha a vantagem de ter nascido de maneira nova, a partir das lutas dos trabalhadores. Era mais um movimento que foi se congregando ao redor da imagem de Lula. Nesses anos, houve uma espécie de consolidação de uma estrutura de inspiração burocrática e vagamente bolchevique que se somou ao corporativismo da sociedade brasileira, dos sindicatos, das corporações de funcionários públicos. Isso matou o que tinha de novo no partido. Com o tempo, descobriram que o caminho é eleitoral. Quando se somou essa tendência burocrático-sindical com vontade de ganhar eleição, eles montaram uma máquina. O PT acabou vítima do próprio sucesso. Deram ao partido um cunho de empresa. Nesse sentido, é menos bolchevique e mais um partido americano: tem o jogo eleitoral e tem o jogo dos recursos.

Que tipo de empresa?

Uma empresa sui generis, porque ela não gera recursos e precisa de dinheiro. Foi o começo da perdição. Virou uma máquina muito grande. Se fosse só bolchevique, repousava na militância. Como ele virou uma empresa, passou a repousar em profissionais e isso requer recursos. Os recursos começaram a vir, pelo que se vê pelos jornais, pelas áreas de atuação municipal onde tinham poder: ônibus, lixo e depois jogo, o que para mim foi uma surpresa. Começou por aí e depois foi para o governo central, entraram nos bancos. Tudo isso é distorção, é uma coisa patológica. Por isso digo que não foi exatamente bolchevique, porque os bolcheviques tinham um ideal e fizeram uma revolução.

O PT destruiu muitas ilusões?

Isso tudo gerou uma desilusão curiosa, de quem nunca havia se iludido. Eu não quis entrar no PT no começo porque discordava do conteúdo de classe que eles queriam dar - partido dos trabalhadores. Ora, o futuro é dos assalariados, não dos trabalhadores. A idéia de proletariado é do século passado, não é daí que sai o futuro. Discordava também da política de alianças. Ali já havia a tendência à hegemonia. Numa sociedade social e regionalmente desigual como a nossa é preciso estabelecer um sistema de alianças. Nunca tive ilusões, eu achava o PT anacrônico. De qualquer maneira, eu achava interessante um partido que nasceu da luta dos trabalhadores, de certa confluência entre Igreja, intelectuais e trabalhadores, uma força renovadora. Hoje estamos todos, mesmo os que não tinham ilusão, desiludidos com o grau de desmoralização de tudo. O respeito é essencial. O PT hoje não tem mais condições de governar no sentido mais profundo. Ninguém acredita mais, nem eles próprios.

Acha, como Serra, que o PT viveu o sonho do controle absoluto de todos os mecanismos de poder?

Eles têm uma tendência absolutista, sem dúvida. Ficou a idéia do partido redentor da humanidade. Como ele é redentor, ele sozinho toma conta do Estado e muda a sociedade. Isso é a origem de tudo. O que leva ao desastre é achar que pela causa, pelo partido, tudo pode. Foi isso que ficou daquela visão transformadora e revolucionária: apenas a casca. Hoje, é o poder pelo poder. Eu não aceito isso nem para fazer a revolução. No fundo, você está expropriando um banco. Há um pouco de complacência: como é pela causa, pode. O problema é que em geral sobra para o bolso alguma coisinha. Essa racionalização quebra os limites da lei. Como você tem compromisso com o povo, acha que está certo. É como o Lula: eu fiz tudo, eu sou o melhor. Ora, isso é totalitarismo, é fundamentalismo. Isso tem de ser combatido pelos intelectuais. Aí é que está a falência dos intelectuais: é quando não denunciam que isto está errado. No fundo, está faltando coragem para defender a democracia, que é o pluralismo, a alternância no poder. Você não tem o conhecimento absoluto, você tem de seguir certas regras.

O que vai sobrar de tudo isso?

O que vai sobrar é muito preocupante. Se essa desilusão for muito grande, quem vai polarizar certo tipo de descontentamento que existe na sociedade - e a sociedade é realmente injusta, o sistema capitalista não é igualitário, ele não permite que se resolvam rapidamente as questões, nem mesmo as mais dramáticas, de desigualdade e de pobreza absoluta?

E do PT?

Não sei se vão mudar. Será que vão acreditar nos valores da cultura democrática? Isso implica saber que você não é o dono do mundo. O meu medo, com tudo isso, é a demagogia populista.

Acha que o presidente Lula termina o mandato?

Acho que para o Brasil será muito ruim se ele não terminar o mandato. Mas faço a ressalva: se acontecer alguma coisa, paciência. A Constituição deve ser cumprida. Vou torcer para que isso não aconteça.

Como o PSDB pretende reconquistar a Presidência da República?

Quem for para o governo, primeiro não pode mentir. Não poderá prometer o que não puder cumprir. Não poderá prometer que vai resolver a vida de todos, gerar empregos rapidamente, porque não vai. É difícil dizer isso, mas tem de dizer. Se as pessoas perceberem que você tem rumo, ficam motivadas. É preciso desarmar a armadilha da inflação, juros altos e crescimento baixo. É preciso ter coragem para juntar gente com competência e marcar um rumo, como fizemos no Real.

Qual será o maior inimigo do PSDB nessa empreitada?

O maior inimigo seria interno: não entendermos o momento. Ele requer unidade dos líderes e nova visão dos propósitos de um governo tucano. O Brasil precisa de ênfase no social, mas com competência, articulações do governo com a sociedade civil, e de políticas de crescimento econômico que não olhem no retrovisor. Chegou a hora de desatar, como fizemos com a inflação, os nós que nos prendem às altas taxas de juros e ao baixo crescimento para manter a estabilidade. Isso pode ser feito sem agressões a contratos e ao mercado, mas requer audácia e conhecimento da microeconomia. É pena que o governo atual tenha desperdiçado a chance de assegurar o desenvolvimento auto-sustentado do qual estávamos e estamos perto.

Desenha-se uma luta renhida entre candidatos do PSDB à Presidência: os governadores Geraldo Alckmin (SP) e Aécio Neves (MG), o prefeito José Serra e, dizem, o senhor. Essa briga não compromete o projeto de volta ao poder?

Se houver briga, sim. Mas não creio que seja necessário. Temos recurso de liderança para evitá-la. Eu tenho insistido em que não está nos meus projetos candidatar-me à Presidência ou a qualquer outro cargo. Mas está neles ajudar o partido a posicionar-se para as eleições. Ainda é cedo para saber se realmente seremos beneficiários da virada da opinião pública e quais serão os candidatos, dos outros partidos e do PSDB. Isso, com a crise, se postergou para o início do próximo ano.

Pesquisas indicam que hoje Serra é o que tem melhores condições para enfrentar Lula. Será o candidato?

O Serra é um excelente nome. Ninguém quer mais do que o Serra. Ele está preparado até mais que eu, porque quer mais que eu. Conhece a máquina, é ótimo administrador. E aprendeu com a derrota, foi para Princeton estudar, não ficou lamentando ou rancoroso. Mas o Alckmin tem plenas condições de se candidatar, assim como o Aécio. Também são ótimos administradores e políticos. O PSDB tem grandes nomes, ainda é cedo para decidirmos.

O senhor tem dito que não é candidato em 2006. Isso pode mudar?

Já disse que não sou candidato. Não juro porque, embora seja meu firme propósito e não veja quem esteja disposto a me pressionar para ser candidato, a política dá muitas voltas e, com possibilidade cerca de zero, as coisas podem tomar um rumo que não desejo. Mas não tome meus cuidados e minha franqueza como se fossem uma forma de "deixar a porta aberta".

Em quais circunstâncias o senhor voltaria a disputar uma eleição?

Só se não houvesse no meu partido quem pudesse concorrer com chances, o que não é o caso.