Título: Garimpo embala sonhos no Ribeira
Autor: Marisa Folgato
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/08/2005, Metrópole, p. C1,3

Exército de 300 pessoas se embrenha na mata atântica atrás de pedras semipreciosas, vendidas a até R$ 60,00 o quilo, em Itariri

Mal escurece e uma procissão carregando fifós - tochas de bambu, pano e diesel - pega a estrada de terra e pedras pontudas em Itariri, a 157 quilômetros da capital, no Vale do Ribeira, colado a Peruíbe. Alguns vão de bicicleta, mas a maioria segue a pé os 18 quilômetros que separam o centro da cidade de seu maior sonho: o garimpo clandestino de ametistas do Taquaruçu, que há meses mudou a rotina do município de 13 mil habitantes. Um sonho arriscado, que já custou a vida de dois moradores em junho, soterrados no barranco que já tem mais de 12 metros de altura. Pelo menos 300 pessoas já se entregam à atividade, ali e na Igrejinha, outro ponto de mineração. E o número não pára de crescer. É o primeiro garimpo dessa dimensão no Estado, segundo o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), que tenta negociar a legalização com garimpeiros. Boa parte do caminho até Taquaruçu, em meio a plantações de bananeiras, que sobem e descem morros, ocupando tudo, e adentra a mata atlântica, só pode ser percorrida a pé, cruzando pelo menos dois trechos de brejo, onde a lama cobre as canelas em dias chuvosos, e descendo uma ribanceira. Depois de atravessar um córrego estreito, numa área particular, dá para ver a grande extensão de terra remexida e os buracos, de onde, segundo os garimpeiros, já saíram toneladas de pedras semipreciosas.

Atrás deles, muitas vezes vem a polícia, tanto a Militar quanto a Ambiental. Já houve pelo menos 40 prisões. Numa única apreensão, foram encontrados 250 quilos de ametistas.

Um dos líderes do garimpo, Joselito Cardoso de Oliveira, o Índio, de 33 anos, disse que eram 580 quilos, mas nem tudo chegou à delegacia, sugerindo um desvio, que a polícia nega. Ele mesmo foi detido duas vezes e voltou. Agora combinou, como os demais, dar uma trégua para ver se criam uma cooperativa e legalizam a situação.

"Faz tempo que não sei o que é dormir direito. É o dia inteiro carregando banana e roçando a plantação para seguir depois até o garimpo, onde fico até as 6 da manhã", conta Índio, pai de seis filhos, "nascido e criado em Itariri". As pedras foram uma tentação para quem está há seis meses sem pagamento. Quando recebia eram R$ 100,00, R$ 280,00 por mês, conforme a vontade do patrão. Ele diz que tira, em média, 30 quilos de pedra bruta por dia de trabalho. Os compradores pagam entre R$ 30,00 e R$ 60,00 o quilo para revender a R$ 800,00.

Ele poderia estar rico. Foi quem descobriu o local, há uns 15 anos. "Estava caçando tatu para comer. Achei a pedra bonita, mas não dei valor."

Só voltou para lá há uns dez meses. Encontrou o pedreiro Afonso Donisete Silva Elias, de 35 anos. "A mulher que arrendava a área, a irmã Elvira, pediu para limpar o bananal. Não tinha como pagar, então deixou cavar por lá e achei as pedras. Na primeira vez foram duas caixas de carregar banana cheias", conta Elias.

Mas foi o cunhado de Índio, o pedreiro José Domingos, de 50 anos, quem alertou para o valor do achado. "Trabalhei 12 anos no garimpo em Teófilo Otoni, em Minas. Peguei água marinha, berilo, topázio, cristal, alexandrita e citrino. Mas estava muito explorado já. Basta ver a natureza de Itariri para ver que vai sair muita pedra daqui", diz. "A ninhada da ametista tá aqui nesse buraco e vai longe." Mas cobiça mesmo uma área de brejo que fica no caminho. "Tem todo jeito de dar água marinha. Aí sim vai render."

Sobrou apenas uma calça bege para Domingos usar todos os dias. "Os jeans usei para fazer fifó. Primeiro cortei as barras, depois as pernas até o joelho e agora foi tudo."

POLÍCIA

Os garimpeiros preferem agir depois que escurece, por causa da polícia. Domingos diz que já contou 145 pessoas trabalhando nos buracos e no barranco numa só noite. "É melhor para ver os 'fachiletes' (lanternas) deles e correr pro mato", diz Índio. Mas o destino na mata pode ser pior. "Já corri até de onça."

Marcas de queimaduras e arranhões nos braços e pernas mostram que o funileiro e mecânico Valdomiro da Purificação Oliveira, de 22 anos, também anda se aventurando pelo garimpo. "A gente corre pelo mato para fugir e se enrosca na criciúma (cipó áspero). Sai todo lascado." Ele costuma tirar R$ 600,00 por mês na oficina. Com as ametistas sua renda já subiu para R$ 1 mil.

Mas Oliveira está trabalhando em outra frente de Itariri, a da Igrejinha, também em área particular. Ela ainda produz menos que a do Taquaruçu: cerca de 10 quilos por pessoa ao dia. "São umas 50 pessoas que aparecem por lá."

Na Igrejinha, o terreno mais íngreme aumenta o risco. "É a sobrevivência", diz Oliveira. Sua mulher, Janaína, de 28, anda preocupada, mas reconhece que as pedras mudaram a vida da cidade. "O comércio tem mais gente e as pessoas estão conseguindo pagar as contas."

O bananeiro José Miguel Clementino, de 45 anos, até perdeu o emprego por causa do garimpo. "Comecei a ficar demais lá e dancei", explica. "É um perigo. Outro dia caiu um pedaço do barranco nas minhas costas e desmaiei. Os amigos me acudiram."