Título: Alfabetização de adultos migra das ONGs para o ensino público
Autor: Renata Cafardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/08/2005, Vida&, p. A12

Quase 70% das classes estão hoje nas redes estaduais e municipais do País, ante 42% até 2003

O alfabeto na aula da professora Rosemary dos Santos começa pelo w, de www. Numa escola municipal de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, ela incluiu computadores e internet no ensino de adultos analfabetos ou semi-alfabetizados. Deixou de lado a cartilha, a lousa, o bê-á-bá e recebe quarta-feira o prêmio como um dos melhores projetos de Educação de Jovens e Adultos (EJA) do País, dado pela Fundação Abrinq, Natura e Ministério da Educação. A área - no passado chamada de supletivo - só recentemente tem ganhado atenção das políticas públicas de educação. Este ano, aumentou em 1,5 milhão o número de alunos financiados pelo governo federal. A partir de 2005, pela primeira vez todos os municípios ou Estados que oferecem EJA passaram a receber dinheiro do MEC, o que totalizou 3,3 milhões de pessoas. Para repartir os R$ 486 milhões do orçamento, o governo criou, em junho, um ranking nacional de municípios, cujo valor por aluno passou a depender de um chamado índice de fragilidade educacional. São levadas em conta a taxa de analfabetismo da cidade e a quantidade de pessoas que têm mais de 25 anos e não chegaram à 8.ª série, entre outras. Os de pior cenário recebem mais. O valor per capita varia de cerca de R$ 40 a R$ 250.

A EJA é especialmente importante para assegurar que as pessoas alfabetizadas depois de adultas não voltem a ser analfabetas. Sem a continuidade dos estudos - na EJA, as oito séries do ensino fundamental são feitas em três anos e meio, além do ensino médio -, muitos se tornam analfabetos funcionais, ou seja, não entendem o que lêem. Pelo Censo 2000, o Brasil tinha 33 milhões de pessoas nessa situação. Dentre elas, 16 milhões de analfabetos.

A partir de 1998, o terceiro setor, principalmente com a ONG Alfabetização Solidária, foi o responsável por alfabetizar adultos, via convênios com o governo, atendendo cerca de 1 milhão de pessoas por ano. Mas apenas Estados e municípios do Norte e Nordeste recebiam verbas federais para classes de EJA - uma das dificuldades em garantir a continuidade dos estudos.

O governo atual foi aos poucos encaminhando para redes estaduais e municipais a alfabetização e hoje quase 70% das classes são em escolas públicas e 30% estão com as ONGs. Até 2003, só 42% ficavam com Estados e municípios. "O terceiro setor não tem a obrigação de ofertar EJA, por isso as duas coisas não estavam ligadas", diz o secretário de Alfabetização do MEC, Ricardo Henriques. Atualmente, há mais de 5 milhões de brasileiros cursando a EJA pública ou privada; em 1999, eram 3 milhões.

A superintendente-executiva da Alfabetização Solidária, Regina Esteves, aprova o incentivo para a EJA, mas diz que muitos municípios e Estados não têm estrutura para dar um ensino de qualidade. "Oferecer EJA não significa apenas colocar na sala de aula." Um dos focos, segundo ela, deveria ser a capacitação de professores. "O mundo do adulto não é o mesmo da criança. É preciso valorizar os conhecimentos que ele já tem."

PESQUISAS NA INTERNET

Rosemary, de Caxias do Sul, percebeu isso sozinha. "O aluno chega cansado do trabalho, se você não faz algo que o atraia, ele vai embora." Pelo novo cálculo do MEC, sua cidade recebe cerca de R$ 40 por aluno, mas a escola conseguiu dez computadores por meio de doações. Durante a semana, os alunos - na maior parte idosos que nunca tinham ligado um computador - ficam oito horas na sala de informática.

As atividades começam com a discussão de um assunto. O do dia: folclore. Numa roda, eles vão contando o que lembram da infância, as músicas, as danças, os contos. "Agora, vamos pesquisar na internet", diz Rosemary, indicando um site sobre o tema. Eles buscam os óculos. "Tenho medo de ficar sozinha com ele", diz Beatriz Maria da Conceição, aposentada, de 74 anos, se referindo ao computador. Em duplas, eles digitam com dificuldade o endereço eletrônico e sorriem à primeira imagem que aparece na tela.

"O ponto é aqui", mostra no teclado Oberlande de Lima, ex-funcionário público, de 69 anos, a Venina de Souza Alves, de 73 anos. Os dois pesquisam sobre a medicina popular no site sobre folclore. "Enquanto a gente tem vida, tem de aproveitar", justifica Venina, ao ser questionada sobre a razão de estudar agora.

A tarefa seguinte é a de digitar o que entenderam da pesquisa. Muitas vezes, o ditado também é feito no computador e os alunos aprendem a mandar e-mail e a conversar online com o colega. Para treinarem matemática, Rosemary pede para acessarem sites de lojas populares que vendem produtos pela internet e simular compras. "Quem sabe mexer no computador voa, quem não sabe fica", resume Euzete dos Santos, de 65 anos.

A professora, hoje admirada na escola por alunos e colegas, conta que tinha medo de sua idéia não dar certo. "Comecei a alfabetizar pelo w e pela pontuação, para que eles conseguissem entrar na internet. Não sabia se iam aprender." O Projeto EJA e Informática Educativa começou há três anos e os resultados na Escola Municipal Professora Olga Teixeira de Oliveira indicam que 70% dos recém-alfabetizados já conseguem ler textos diversos e - melhor ainda - compreendê-los.