Título: Genética do SUS trata 1/4 de crianças
Autor: Karine Rodrigues
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/08/2005, Vida&, p. A11

Serviços especializados não têm capacidade para atender a todos os nascidos com males congênitos, segundo pesquisa

A mudança no perfil da mortalidade infantil no País, caracterizada pela redução das mortes evitáveis, como as relacionadas à desnutrição e à diarréia, expôs um problema do sistema de saúde brasileiro: a insuficiência de estrutura para prevenção, diagnóstico e tratamento de crianças com defeitos congênitos. Entre 1980 e 2000, as chamadas anomalias naturais, ou seja, desenvolvidas antes do nascimento, passaram de quinta para segunda causa de morte entre menores de 1 ano, somando 13% dos óbitos. Levantamento realizado pela geneticista Dafne Dain Gandelman Horovitz, do Instituto Fernandes Figueira, unidade materno-infantil da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), indica que os 61 serviços especializados existentes no Sistema Único de Saúde (SUS) têm capacidade para atender apenas um quarto dos indivíduos que nascem com alguma doença genética - cerca de 5% dos nascidos vivos no Brasil.

Além de pouco numerosos, os serviços estão desorganizados, conforme avaliação da pesquisadora, que tratou do assunto em sua tese de doutorado. "Há bons serviços no Brasil, porém não muito integrados entre si e pouco integrados ao SUS. Mas eles não são suficientes. E a maioria concentra-se no Sul e no Sudeste."

Dos 61 serviços de genética do SUS, apenas 33 têm atendimento clínico e laboratório especializado. "O que existe hoje é uma rede informal. Precisamos organizar o fluxo de exames, por exemplo." A organização pode trazer, entre outros benefícios, a economia dos caros medicamentos, por meio do compartilhamento.

Para Dafne, a genética clínica não tem recebido a devida atenção porque os defeitos congênitos são encarados como raridades. "Os dados nacionais mostram, porém, que o conjunto é muito significativo." No instituto, de janeiro de 1999 a julho de 2003, representaram 37% das admissões hospitalares. A mortalidade neste grupo foi de 9,8%, o dobro da notificada entre crianças sem defeitos de desenvolvimento.

Os exames no pré-natal, em geral, são incapazes de detectar um defeito congênito, ou seja, anomalias funcionais ou estruturais do desenvolvimento do feto decorrente de um fator originado antes do nascimento, seja ele genético, ambiental ou desconhecido. São cerca de 4 mil doenças. E as mais freqüentes são as malformações "isoladas", que atingem um órgão ou sistema, como defeitos cardíacos, e as causadas por disfunções no metabolismo ou alterações nos cromossomos, como a Síndrome de Down. A única exceção, ressalta Dafne, está relacionada a anomalias estruturais, que podem ser identificadas pela ultra-sonografia.

EDUCAÇÃO

Por isso, Dafne considera que uma das ações primordiais para lidar com o crescimento relativo dos defeitos congênitos é investir em educação médica, para que os profissionais da rede básica possam reconhecer os sinais das doenças e os fatores de risco. "Quando diagnosticada e tratada precocemente, podemos mudar o curso da doença, reduzindo as complicações e seqüelas e possibilitando uma melhor qualidade de vida ao paciente."

Apesar de trabalhar no setor de saúde, a enfermeira Andrea Marinho de Queiroz, de 33 anos, perambulou durante meses por hospitais e consultórios até descobrir que a filha Stephanie, de 2 anos e 10 meses, sofria de mucopolissacaridose, doença do metabolismo causada pela insuficiência de uma enzima, o que gera disfunções em vários órgãos. "Em seis meses, ela teve sete pneumonias. Suspeitaram de fibrose cística, também uma doença genética, e, daí, fui encaminhada para uma especialista, que identificou o problema de cara. A maioria dos pediatras não conhecia as características da doença", diz.

Andrea diz ter feito o pré-natal corretamente e desconhece casos de doenças genéticas na família. "Já decidi fazer o exame na minha filha mais velha, de 8 anos, para saber se ela tem o gene causador da mucopolissacaridose." Stephanie receberá a medicação no instituto. O frasco custa US$ 600. "Entrei na Justiça para garantir o remédio. O tratamento custa US$ 1.800 por semana."