Título: Lentidão gera esperteza
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Fonte: O Estado de São Paulo, 29/08/2005, Notas e Informações, p. A3

A lentidão do governo na fixação de uma regra clara para a renegociação da dívida dos agricultores amplia o espaço para manobras oportunistas dos que querem continuar adiando indefinidamente o pagamento de parcelas vencidas e, se possível, acrescentar novos benefícios aos já obtidos. Mesmo quando anuncia um plano adequado de apoio ao produtor, o governo demora a agir. Anunciou um programa de ajuda a agricultores que enfrentaram problemas inesperados, como a seca que quebrou a produção no Sul e parte do Centro-Oeste, mas a liberação dos recursos, quando ocorre, é muito lenta. Enfraquecido pela crise e incapaz de agir com a presteza exigida pela situação, o governo sofre derrotas na disputa com o grupo que, no Congresso, há tempos defende uma renegociação ampla da dívida dos agricultores, para beneficiar sobretudo os devedores contumazes.

A Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados acaba de aprovar projeto de lei que prevê a renegociação e o alongamento de todas as dívidas agrícolas, incluindo as renegociadas em 2001. Até mesmo os devedores que não se beneficiaram das regras daquele ano poderão fazê-lo agora, de acordo com o texto aprovado.

O governo, com razão, vinha resistindo a esse projeto - que ainda irá a plenário -, pois a lista dos beneficiados certamente inclui aquilo que o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, chamou apropriadamente de "aproveitadores".

Balanços sobre os programas de renegociação das dívidas agrícolas anunciados nos últimos anos mostram a existência de um grande número deles. Das dívidas prorrogadas em 1995, metade ficou sem pagamento quando venceu a primeira parcela. Na renegociação seguinte, de 1998, a inadimplência subiu para 70%. O fato se repetiu na renegociação de 2001. A inadimplência média das dívidas renegociadas é de 46%, índice que sobe para 65% entre os maiores devedores.

"Quem não pagou até o ano passado é porque não quis pagar. Tinha dinheiro e não quis pagar", disse o ministro, ao participar, na Bahia, de reunião com cerca de 100 empresários rurais. Numa renegociação, completou, "não podemos misturar o que é legítimo com o que é aproveitamento".

A esperteza dos aproveitadores, entretanto, tem forte estímulo na morosidade do governo. De acordo com produtores, nem um centavo do que o ministro da Agricultura solicitou à área econômica do governo foi autorizado. Do total de R$ 1 bilhão para comercialização da safra, "por razões alheias a nossa vontade, ainda não temos nada publicado", admitiu Rodrigues. R$ 3 bilhões que viriam do Fundo de Amparo ao Trabalhador para a renegociação da dívida dos produtores com empresas privadas também estão atrasados. O orçamento para defesa agropecuária, como diz o ministro, "é ridículo".

O ministro tem procurado manter o otimismo. Acredita que a próxima safra pode ficar entre 120 milhões e 130 milhões de toneladas de grãos, se as condições climáticas forem favoráveis. É mais do que o volume colhido na safra 2004-2005, de 119,5 milhões de toneladas.

Apesar dos resultados relativamente fracos dessa safra, provocados por uma combinação de preços em queda, câmbio desfavorável e seca, há produtores interessados em investir em tecnologia na que começa a ser plantada nas próximas semanas. Alguns aceleram a compra de insumos. Mas, em média, a demanda continua fraca. Os fornecedores estimam redução nas compras de calcário, fertilizantes e defensivos. As causas da queda são a falta de recursos, as incertezas com relação às dívidas vencidas e dificuldades para a obtenção de financiamentos.

A definição de regras reduziria as incertezas dos devedores e poderia estimulá-los a investir mais em tecnologia. Mas, paralisado também nessa área, o governo cria condições para ações oportunistas da bancada ruralista, que, além de aprovar numa comissão da Câmara o projeto de ampla renegociação da dívida, incluiu benefícios aos devedores na Lei de Diretrizes Orçamentárias. A correção desses excessos impõe custo político ao governo, que, enfraquecido, pode não estar disposto a aceitá-lo. Se isso acontecer, será pior para os contribuintes.