Título: Brasil ficou bem menos vulnerável
Autor: Patrícia Campos Mello
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/08/2005, Economia & Negócios, p. B1

O Brasil está bem menos vulnerável aos capitais especulativos que a maioria dos países emergentes. É o que mostra um estudo de Christian Stracke, estrategista de mercados emergentes da consultoria americana CreditSights. Segundo Stracke, o Brasil não sofrerá tanto quando se reverter a bonança financeira mundial porque teve entrada de apenas US$ 3,3 bilhões em capitais especulativos nos últimos 18 meses. Só para comparar, o País recebeu US$ 30,8 bilhões em capitais voláteis nos 18 meses que antecederam a crise asiática, em 1997. "O Brasil está bem melhor que os outros países em relação a capitais estrangeiros especulativos", disse Stracke ao Estado. "Quando houver reversão no ambiente externo (investidores tirarem dinheiro dos mercados emergentes), o Brasil terá reservas suficientes para lidar com isso."

Turquia, África do Sul, Filipinas, Indonésia e Hungria são os mais vulneráveis e podem ser vítimas de uma crise quando a maré virar, diz Stracke. Nos últimos 18 meses, a Turquia recebeu US$ 16,3 bilhões em capitais especulativos (ver quadro).

Os capitais especulativos, também chamados de hot money, são um grande fator de instabilidade. Estima-se que existam trilhões de dólares especulativos circulando pelo mundo, buscando incessantemente investimentos de curto prazo e alto retorno. Esses capitais voláteis entram e saem dos países rapidamente, assim que surge uma alternativa mais rentável.

O hot money é bem diferente do investimento estrangeiro direto, considerado o melhor tipo de capital, porque permanece durante anos em um país, investido em empresas. Títulos da dívida do governo, de empresas e ações são investimentos especulativos, pois permitem saída rápida do investidor. Na crise da Ásia, em 1997, e da Rússia, em 1998, a fuga desses capitais especulativos precipitou a quebra dos países. Muitos estrangeiros que haviam investido nos países correram para trocar suas moedas por dólares, esgotando as reservas das nações. Quando um país não tem reservas suficientes para trocar moeda para os investidores que querem sair, ele quebra.

O discurso de sexta-feira de Alan Greenspan, presidente do Fed, soou como um sinal de alarme para os emergentes. Greenspan alertou que a atual liquidez americana pode desaparecer em breve. Os preços dos imóveis podem cair e as taxas de juros podem subir a qualquer momento, o que vai trazer de volta a cautela dos investidores. Essa é uma péssima notícia para países como o Brasil.

As taxas de juros dos EUA continuam muito baixas, apesar do enorme déficit em conta corrente do país. Por isso, investidores continuam despejando capital em mercados mais arriscados, os emergentes, em busca de retornos mais apetitosos. No minuto em que os juros americanos subirem, esse capital volátil vai fugir rapidamente para portos mais seguros, ou seja, vai abandonar os emergentes e correr para os ativos dos países desenvolvidos. Está claro para muitos analistas que a tal "blindagem" da economia - o mercado tem sido muito leniente em relação aos escândalos políticos que tomaram conta do Brasil - depende muito do ambiente positivo mundial.

Mas o estudo de Stracke mostra que o Brasil não vai sofrer tanto quando a maré virar. É aí que entra a melhora dos fundamentos do País. O Brasil passou de um déficit em conta corrente de 4,2% do PIB em 1997 para um superávit de quase 2% do PIB em 2004. Isso significa que o País depende menos da entrada de capitais estrangeiros para pagar suas contas. E depende menos ainda dos capitais especulativos, como mostra Stracke.

Quando vai virar a maré? Os juros dos títulos do Tesouro americano de dez anos estão em cerca de 4,2%. Para Stracke, a festa dos emergentes só vai acabar quando essas taxas superarem 5%. Aí, os investidores, ao pesarem risco e retorno, podem optar por investir mais em países desenvolvidos.

A virada pode ocorrer no período de 6 a 12 meses. Então, o spread do Brasil (diferença de remuneração de títulos da dívida brasileira sobre títulos americanos de duração semelhante) deve subir 150 pontos. O risco Brasil, atualmente na faixa de 400 pontos, iria para 550 pontos.

"Mesmo assim, não haverá uma crise generalizada como em 1997." De modo geral, todos os emergentes estão bem menos dependentes de capitais especulativos. Nos 18 meses que antecederam a crise asiática, US$ 170,7 bilhões em capitais especulativos entraram nos países emergentes. Nos 18 meses até junho de 2005, esse volume caiu para US$ 118,5 bilhões.

Stracke faz uma ressalva quanto ao Brasil. Segundo ele, o País não recebeu muito hot money nos últimos 18 meses, mas já acumulava um grande estoque de capital estrangeiro e precisa pagar de US$ 40 bilhões a US$ 50 bilhões em amortizações (pagamentos do principal, fora juros) por ano. "Esse número ainda é bastante alto em relação às reservas do Brasil."