Título: Perito confirma ao MP que Celso Daniel foi torturado
Autor: Guilherme Evelin
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/08/2005, Nacional, p. A7

Para promotores, relatório de Delmonte Printes dá novo rumo à investigação do caso Santo André

Em depoimento ao Ministério Público de São Paulo, o perito médico Carlos Delmonte Printes apresentou novas evidências de que o prefeito de Santo André, Celso Daniel, foi torturado com crueldade antes de ser assassinado em janeiro de 2002. Ele afastou peremptoriamente, também, a hipótese de homicídio em seguida a seqüestro. Segundo Printes, responsável pela assinatura do laudo da morte do prefeito, os assassinos demonstraram "raiva e desprezo" ao matar Daniel, o que não é compatível com crimes contra o patrimônio. Segundo os promotores que trabalham no caso, o depoimento de Printes dá novos rumos à investigação sobre a morte do prefeito, assassinado quando coordenava o programa de governo do então candidato presidencial Luiz Inácio Lula da Silva. "O perito deu um passo além na nossa investigação. Nós trabalhávamos com a hipótese de crime de mando. Ele nos mostrou que houve um crime por ódio", afirmou o promotor de Justiça Roberto Wider, que tomou as declarações do perito, há 13 dias, na companhia do colega Amaro José Thomé Filho.

Ao depor perante os promotores, Printes, médico legista ligado à Universidade de São Paulo (USP), acrescentou mais detalhes de como os assassinos de Daniel agiram, com o objetivo de fazer um "esculacho" -- jargão policial usado para as execuções com requintes de crueldade. O perito mostrou como os matadores de Daniel, antes de fazer disparos diretamente no rosto e no tórax, o torturaram no cativeiro.

Como evidências do martírio a que foi submetido o prefeito, além da sua expressão de terror e espasmo, Printes assinalou a existência de duas queimaduras encontradas nas costas. Segundo o perito, essas lesões foram produzidas por um cano de uma arma de calibre 9 mm aquecido. ¿

Outra evidência de que o prefeito foi torturado são as lesões que foram encontradas no braço direito, na coxa direita e no lado direito do tórax.

Segundo o legista, esses ferimentos foram causados por estilhaços de balas, disparadas contra o chão, mas próximas a Daniel, com o objetivo de causar pânico no prefeito. Todos os tiros contra o prefeito, de acordo com Printes, foram desferidos próximos a Daniel, mas não à queima-roupa.

O perito também declarou aos promotores nunca ter testemunhado um caso com um " ritual de tortura, crueldade e desproporcionalidade" similar, antes de examinar o corpo de Celso Daniel. Autor do livro "Perícia na Tortura", Printes fez questão de assinalar que as evidências de tortura em casos de seqüestro são absolutamente diferentes das encontradas no corpo do prefeito de Santo André.

No depoimento, Printes reclamou de ter sido submetido a censura pelo superintendente da Polícia Científica, Celso Perioli, e pelo então diretor do Instituto Médico-Legal, José Jorge Jarjura Junior. Em reunião conjunta, os dois o proibiram de dar declarações sobre a tortura em Daniel, depois que ele deu entrevistas à televisão.

Aos promotores, o perito se queixou também do deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP), que foi designado pela direção nacional do PT para acompanhar as investigações da morte do prefeito. Segundo Printes, Greenhalgh prejudicou o andamento da perícia e tentou interferir no exame do corpo de Celso Daniel, no dia em que ele foi levado para o IML, o que o deixou constrangido.

De acordo com o relato do perito aos promotores, o deputado petista estava "emocionalmente alterado" e, ao tentar interferir no exame, foi convencido pelo deputado Jamil Murad (PCdoB-SP) a se retirar da sala onde se realizava a perícia no corpo do prefeito.

Por causa do excesso de autoridades policiais e políticos que estavam no IML, o exame do corpo de Daniel, segundo Printes, não pôde ser feito apenas com a presença da equipe de legistas. Ele garantiu, porém, aos promotores, que a perícia foi realizada com o chamado "padrão ouro", em que são adotadas as melhores condutas. Ele disse também que o IML ainda guarda amostras de cabelos e pelos de Daniel para futuros confrontos. Declarou-se disposto a produzir um parecer complementar sobre as circunstâncias da morte do prefeito para apresentar ao Ministério Público.