Título: 'Brasil precisa pensar a longo prazo e lutar também pelo setor industrial'
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/08/2005, Economia & Negócios, p. B6

O Brasil, que até hoje depositou todas suas fichas na liberalização dos mercados agrícolas, deveria adotar uma nova estratégia negociadora com uma maior visão de longo prazo. O alerta é do diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Supachai Panitchpakdi, que deixa o cargo na entidade depois de três anos no comando. O ex-vice-primeiro-ministro da Tailândia foi, até hoje, o único representante de um país em desenvolvimento a chefiar o sistema internacional do comércio e, quinta-feira, passa o cargo ao europeu Pascal Lamy.

Antes de deixar a OMC, o tailandês recebeu o Estado em seu gabinete em Genebra. Além de comentar a atuação do Brasil nas negociações da Rodada Doha, que entram em sua fase decisiva, alertou: as disputas vencidas pelo Itamaraty na OMC contra os subsídios americanos ou europeus tem apenas um valor simbólico e dificilmente trarão ganhos reais da noite para o dia. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O senhor foi o primeiro representante de um país em desenvolvimento a comandar a OMC, uma organização atacada pelos movimentos antiglobalização como sendo um dos obstáculos para as economias mais pobres. O que acha que conseguiu fazer para trazer uma dimensão de desenvolvimento à organização?

Tentei trazer todos os grupos de países juntos para que tivéssemos uma agenda negociadora equilibrada. Um dos temas é o acordo de propriedade intelectual e sua relação com saúde que conseguimos fechar. Foi algo complexo, mas acho que foi uma área em que eu pude ajudar. O acordo sobre acesso a remédios é um exemplo de como podemos ter regras que podem ser boas tanto para os donos das patentes como para os usuários. A forma que lidamos com as negociações agrícolas também foi algo sem precedentes. Andamos um bom caminho nas negociações e espero que os países em desenvolvimento possam ter ganhos com isso. Queremos a eliminação dos subsídios, não apenas sua redução. As negociações estão sendo conduzidas pelos interesses dos países em desenvolvimento.

Mas no setor agrícolas, o Brasil parece estar ganhando mais ao vencer disputas na OMC contra os subsídios americanos ao algodão ou contra o apoio dado pelos europeus a seus produtores de açúcar. Não seria isso um sinal de que os países não querem mais esperar por resultados?

Fico feliz que durante meu mandato casos importantes foram tratados. Mas como um guardião do sistema comercial, não posso me permitir a saudar uma disputa. Sempre seria a favor da diplomacia e das negociações, que ainda que lentas vão produzir resultados. Vamos ter uma conclusão para a Rodada Doha e haverá fortes cortes nos subsídios. Mesmo que ganhe casos como esses (contra os Estados Unidos e a União Européia), isso não significa que ações vão produzir resultados. Entendo que possa ter um grande valor simbólico, mas o valor real seria por meio da diplomacia.

Se a solução então é esperar a conclusão da Rodada Doha, o que os países em desenvolvimento podem esperar como ganhos na agricultura?

Os subsídios já foram declarados como mortos. Até os países que subsidiam sabem disso. O que estamos discutindo não é se eles vão ser eliminados, mas como e garantir que haja um movimento equilibrado para outros países ganhem também. Acho ainda que é importante ressaltar que a agricultura não é o único ponto. Precisamos falar mais nos produtos manufaturados. Os ganhos virão dos produtos processados, que é onde estará o valor agregado. Não acho que apenas as commodities vão resolver. Os países precisam diversificar e dar maior valor aos produtos. Os ganhos virão no comércio de bens de consumos e processados.

Mas muitos países em desenvolvimento, entre eles o Brasil, estão na defensiva nas negociações sobre a liberalização do setor industrial.

Estão de fato muito defensivos. O Brasil poderia ser uma usina em manufaturas. Um país que fabrica aviões pode fazer outras coisas, como eletrônicos e muito mais. Além disso, o mercado brasileiro é grande o suficiente para justificar maiores investimentos no setor industrial. Não vejo porque o Brasil não pode ser tão competitivo em produtos industriais como já é na agricultura. Talvez os países devam ter uma visão de mais longo prazo sobre essas questões.

E por que o senhor acha que não existe essa visão de longo prazo?

Os países precisam acreditar que, se reduzirem tarifas de importação para produtos industriais, isso não significará que terão de importar para sempre. No curto prazo, pode ser que isso seja verdade e haja ajustes a serem feitos. Na Ásia, quando reduzimos as tarifas para automóveis e autopeças na região houve uma maior concorrência e uma realocação de recursos. Mas depois de alguns anos, a tendência começou a mudar. Os investidores domésticos começaram a ter projetos em conjunto com empresas estrangeiras e fazer seus próprios planos. Por conhecerem melhor o mercado, conseguiram competir contra os estrangeiros. Hoje, a Tailândia passou de importador para segundo maior exportador de picapes do mundo. E isso é só o começo.

Como o senhor sugere que seja o papel do Brasil nas negociações daqui até o final da Rodada Doha?

O Brasil foi central nos debates sobre a agricultura, mas gostaria de ver o País no centro também em outras áreas. Sei que pode ser ingênuo diante dos interesses do Brasil no curto prazo. Mas só com o setor industrial é que se pode dar uma maior renda à população. O Brasil, tendo essa perspectiva de longo prazo em mente, deveria ter um papel mais central em áreas como nas negociações sobre produtos industriais e de serviços. Sei que, por um problema de administração da economia, há uma tendência a se concentrar em temas de curto prazo. Para longo prazo, precisa-se ter pulmões maiores para prender a respiração por um maior tempo. E maiores pulmões significa políticas fiscais fortes e equilíbrios internos.

Mas nos últimos anos, o Brasil tem conseguido aumentar suas exportações. Isso seria suficiente para permitir o País a pensar a longo prazo?

Como economista, não posso aceitar que um país possa depender de relação com o exterior. O crescimento deve ser equilibrado. Na China, estão tentando revitalizar economia doméstica pois sabem que haverá limites no comércio exterior. O mesmo se pode dizer para o Brasil. Se eu fosse o Brasil, estaria olhando como aumentar o poder de compra de minha população. Para isso, precisa ter esquemas de investimento doméstico e trabalhar no setor financeiro para mobilizar a poupança interna. A Ásia cresceu graças à capacidade de poupança dos países.