Título: Greenspan prepara sucessão no FED
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/08/2005, Economia & Negócios, p. B7

O presidente do Federal Reserve (banco central americano), Alan Greenspan, foi a grande estrela de uma reunião realizada ontem, na cidade de Jackson, Estado do Wyoming, para discutir seu legado e as perspectivas do Fed após sua saída, com a aposentaria em janeiro. Greenspan deu ênfase, mais uma vez, à sua preocupação com a crise imobiliária. "Em breve, o boom imobiliário vai baixar, inevitavelmente. Neste processo, o ritmo de venda de residências vai cair de seus níveis historicamente elevados, com a desaceleração da alta nos preços, podendo inclusive haver queda nos preços", afirmou.

Ao seu modo, Greenspan fez uma advertência. Para ele, os proprietários de imóveis terão menos dinheiro de seus investimentos e isto afetará "em parte o vigor do consumo". As estimativas sobre o impacto deste fenômeno variam muito, destacou o presidente do banco.

Segundo ele, tal processo poderá melhorar a posição externa dos Estados Unidos, tendo em conta o alto grau de correlação que existe entre o enriquecimento ligado ao setor imobiliário e o déficit comercial americano. "O fim do boom imobiliário poderá levar a um aumento importante nos níveis de poupança, à queda das importações e a uma melhora do déficit em conta corrente", ponderou. "A dificuldade destes ajustes dependerá do grau de flexibilidade econômica que mantivermos nos próximos anos, nós e nossos parceiros comerciais".

HISTÓRICO

Aos 79 anos, Greenspan deve deixar o banco em 31 de janeiro do próximo ano. Ele assumiu o cargo em 1987 e desde então enfrentou solavancos como a maior perda acumulada no mercado de ações americano - no episódio conhecido como "Segunda-Feira Negra", em outubro de 1987 - , duas recessões, em 1990 e 2001, a crise asiática de 1997, a explosão da bolha especulativa em 2000 e os atentados de setembro de 2001.

"O gerenciamento de crises foi elevado a um nível altamente sofisticado sob sua tutela", disse Lyle Gramley, antigo membro da direção do Fed. O Federal Reserve determina a política de juros que afetam cada pessoa ou empresa que toma dinheiro emprestado nos Estados Unidos. Por causa de sua posição e da sua capacidade de influenciar a economia, Greenspan é visto por muita gente como a segunda pessoa mais importante do país. Sob sua guarda, a economia americana cresceu continuamente de março de 1991 a março de 2001, o período mais longo de expansão na história do país. As duas recessões nesse período foram leves e não comprometeram o desempenho econômico. "Apesar de existirem alguns problemas nesse período, quando se faz a soma de tudo, podemos dizer que é legítimo qualificá-lo como o maior presidente de banco central que já viveu", escreveram os professores Alan Blinder e Ricardo Reis, da Universidade Princeton, num estudo apresentado durante a conferência de Jackson.

"Greenspan tem feito demonstrações espetaculares sobre como a economia funciona", disse R. Glenn Hubbard, professor da Universidade Columbia, apontado como um dos prováveis sucessores de Greenspan à frente do FED.

Antigos membros do Fed costumam dizer que, em tempos de normalidade econômica, Greenspan pode formatar a política monetária com a mesma precisão prevista nos manuais econômicos. Mas ele se supera em tempos de crise ou circunstâncias econômicas pouco usuais, onde demonstra toda sua flexibilidade, preparo, atenção aos detalhes e capacidade de julgamento.

"Uma das grandes qualidades de Greenspan é não se ater a camisas-de-força doutrinárias que perdem sua funcionalidade", escreveram os economistas Blinder e Reis. A questão agora é saber se o sucessor de Greenspan estará à altura do mestre.