Título: Ipea critica padrão do ajuste fiscal
Autor: Ribamar Oliveira
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/08/2005, Economia & Negócios, p. B5

O padrão de ajuste fiscal adotado pelo governo brasileiro ao longo dos últimos anos, fundamentado no aumento da tributação via contribuições sociais e no corte dos investimentos públicos, atingiu o seu limite e precisa ser mudado. Esta é a tese que o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) defende num dos capítulos do livro "Brasil: o Estado de uma Nação", que será lançado hoje. Diante de novas turbulências externas, adverte a publicação, será difícil persistir num curso de ajuste que aumentará os problemas de competitividade da economia, prejudicará ainda mais o equilíbrio da Federação e a oferta de políticas sociais. Os sinais do esgotamento do padrão de ajuste se manifestam "numa repulsa generalizada a novos aumentos da carga tributária por parte dos agentes econômicos e da sociedade" e pelo "arrocho nos gastos obrigatórios, principalmente nos investimentos, na economia e no próprio crescimento".

Como a restrição fiscal continuará por um bom tempo, sob a forma de elevados superávits primários para reduzir o peso da dívida do Estado, o Instituto diz que é necessário buscar alternativas para mudar a natureza do ajuste.

O Ipea afirma que o ajuste fiscal implementado até hoje evitou enfrentar o desafio de fazer a revisão do modelo de federalismo vigente no Brasil desde a Constituinte de 1988. O governo recusou-se também, segundo o texto, a admitir o óbvio: a falência da proposta da Seguridade Social e a ficção em que se transformou o seu orçamento.

"ARMADILHA"

Para mudar o padrão do ajuste fiscal, segundo o Instituto, é necessário "desmontar a armadilha criada pela Constituinte de 1988 nos campos social e fiscal".

A "armadilha" a que se refere o texto, coordenado pelo economista Fernando Rezende, professor da Fundação Getúlio Vargas, resultou da descentralização da competência tributária entre governo federal, Estados e municípios promovida pelos constituintes de 1988 e a ampliação dos direitos sociais. A tese do livro é que a Constituição não conseguiu viabilizar formas de conciliar esses dois objetivos.

Como foi obrigado a assumir sozinho o ônus de sustentar os novos direitos, e diante das perdas de recursos que sofreu com a descentralização tributária, o governo federal pôs em marcha um processo de ajuste em suas finanças que prejudicou a competitividade da economia e foi enfraquecendo a Federação. O governo federal lançou mão das contribuições sociais, que são tributos de má qualidade, pois são cumulativos.

Além de ter de arcar com os gastos dos novos direitos, lembra o livro, o governo federal foi obrigado, a partir de 1998, a promover um forte ajuste fiscal com o objetivo de obter elevados superávits primários, necessários ao controle da dívida pública. Para isso, o governo apelou de novo para as contribuições sociais, o que se revelou prejudicial para a competitividade da economia.

O livro chama a atenção também para os efeitos negativos desse processo sobre o federalismo brasileiro. Além de as receitas das contribuições sociais não serem dividas com os Estados e municípios, o esquema de transferências compensatórias montado agravou as disparidades na distribuição de recursos entre os Estados e os municípios. De tal forma que, atualmente, existem graves distorções, como aquela que beneficia os pequenos municípios com mais recursos tributários do que os grandes centros urbanos do País.

Rezende está convencido de que essas duas questões - descentralização tributária e ampliação dos direitos - foram interagindo negativamente ao longo do tempo, e agora precisam ser discutidas conjuntamente. Para ele, sem uma rediscussão do modelo de federalismo atualmente adotado não será possível fazer a reforma tributária nem definir um ajuste estrutural das contas públicas.

O livro, que será lançado hoje pelo Ipea, em solenidade no Ministério do Planejamento, trará capítulos sobre a estabilidade e o crescimento economia, sobre a inovação e competitividade, sobre a pobreza e a exclusão social e sobre a juventude no Brasil.