Título: 'Isso tudo é um mar de lama', diz Silvio Pereira
Autor: Vera Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/08/2005, Nacional, p. A5

Ao cair da tarde de sexta-feira, o ex-secretário-geral do PT Silvio Pereira deixou a capital paulista para um retiro de duas semanas em um sítio no interior de São Paulo. "Preciso de paz. Não quero que ninguém me ache", disse ele em entrevista ao Estado, pouco antes de tomar a estrada. Silvinho, como é conhecido no PT, decidiu partir apenas agora para o isolamento, mas está só desde que a crise política abateu a antiga direção do partido, há dois meses. Desempregado desde que pediu desfiliação do partido - "Quem vai me dar emprego agora?" -, Silvinho preenche os dias lendo, cozinhando e cuidando da filha. "De secretário-geral do PT a babá...", brinca, não sem uma ponta de nostalgia.

"Agora estou curtindo a dor, mas é duro não poder sair na rua." O pior para Silvinho foi ter sido obrigado a confessar que recebeu como agrado da empreiteira GDK uma jipe Land Rover, avaliado em R$ 70 mil. A GDK tem contratos milionários com a Petrobrás e influência ainda pouco investigada dentro do PT. Hoje, o ex-secretário admite, com voz embargada, que "foi moralmente inaceitável. O negócio do carro foi emblemático." O episódio forçou sua saída do partido. "Estou tentando devolver o Land Rover."

Quadro de destaque do PT e um de seus fundadores, Silvinho ajudou a coordenar as últimas campanhas presidenciais de Luiz Inácio Lula da Silva. Com a ascensão de Lula e José Dirceu ao poder, tornou-se o elo mais aparente entre o partido e o governo, coordenando com desenvoltura indicações políticas para cargos-chave na administração petista. Seu livre trânsito nos gabinetes de Brasília era criticado até por parlamentares do PT, que consideravam perigoso o avanço do partido na administração pública.

Publicamente, o ex-secretário-geral garante que seus pecados começam e terminam no Land Rover. Nas entrelinhas, sugere que tem mais o que contar - não necessariamente dele. "Errei, assumi meus erros e pedi desfiliação." Então o deputado José Dirceu e o ex-tesoureiro Delúbio Soares deveriam sair do partido? "Olha, cada um fala por si...", cutuca, deixando a resposta no ar.

Silvinho é duro com a antiga direção petista, mas parece esquecer que fez parte dela. "Isso tudo é um mar de lama. O filiado do PT tem razão em ficar revoltado." Embora admita que alguns dirigentes petistas o têm procurado, Silvinho quer distância do partido. "Não quero me chatear mais."

O ex-secretário-geral guarda mágoas da imprensa. Acha que foi perseguido. Especialmente no caso da empresa HHP, que, segundo o ex-gerente dos Correios Maurício Marinho, ganhou contrato nos Correios graças a ele. "É só a palavra do Marinho no vazio. Não tem um só indício, nada."

Silvinho está curtindo a solidão forçada em casa. Não vai ao cinema, não aluga DVDs e cortou a TV a cabo - "contenção de despesas". Faz questão de não ler jornais e pouco assiste à TV. "Passo longe dos canais da CPI", garante. Em contrapartida, voltou a ler com mais apetite: "Isso é uma das coisas boas que saem de tudo isso. Só tinha tempo de ler jornais e revistas."

Desde que deixou o PT, o ex-secretário-geral dedica-se a leitura de romances e poemas. Leu O Processo, do checo Franz Kafka, e coletâneas de poemas de Fernando Pessoa e Adélia Prado. Em seu recolhimento no sítio, pretende enfrentar as páginas de Quando Nietzsche Chorou, romance do psiquiatra norte-americano Irvin Yalom.