Título: Brasil não tem droga contra vírus
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/08/2005, Vida&, p. A19

GENEBRA - O governo federal não conta com um estoque de remédios caso o Brasil seja atingido por um eventual surto da gripe aviária. Segundo a única empresa que produz o antiviral recomendado para a doença, a Roche, se o País fizesse a encomenda agora, a entrega levaria mais de um ano, diante do grande número de encomendas já feitas por outros governos. Anteontem, em Genebra, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Jong Wook Lee, lançou um apelo para que os países se preparem para o pior e alertou que bastaria um vôo entre Hong Kong e São Paulo para a doença chegar ao Brasil.

Segundo a Roche e a OMS, cerca de 40 países já começaram a montar estoques do remédio Tamiflu. "No Brasil, não está claro nem como o País vai se defender", afirma João Carlos Ferreira, diretor da Roche encarregado do assunto para o País.

A Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde informou ontem que o Brasil deve concluir em outubro um plano de contingência para o caso de epidemia causada pelo vírus H5N1, que inclui a compra de medicamentos. A compra será feita por meio de licitação internacional.

No ano passado, a Roche fez um oferta ao governo brasileiro para disponibilizar seu antiviral a 7 por tratamento por pessoa, a mesma oferta que está fazendo a todos os governos que a procuram. O preço é menor do que o cobrado nas farmácias da Europa - cerca de US$ 60. A empresa afirma que, até agora, não obteve resposta do governo e só uma prefeitura da Grande São Paulo, que preferiu não identificar, mostrou interesse em comprar o remédio.

O ministério brasileiro confirmou ter recebido da empresa uma proposta para a venda de Tamiflu, mas informou que não se vê obrigado, por ora, a respondê-la.

O vírus H5N1 está até agora limitado quase exclusivamente à carne de frango em nove países asiáticos. Mas, em cinco, 112 pessoas já foram contaminadas, das quais 57 morreram.

Um dos pilares da estratégia de prevenção, segundo a OMS, seria a criação de um estoque de remédios para que um país possa lidar de forma urgente com um primeiro surto.

O problema é que apenas uma empresa, a Roche, produz o remédio. Não por acaso, a empresa está incrementando suas vendas em todo o mundo. Já vendeu US$ 450 milhões só neste ano a vários países.

A OMS recomenda que os governos montem estoques do remédio suficientes para atender entre 20% e 30% da população. No caso do Brasil, isso representaria mais de 30 milhões de tratamentos, ou seja, 210 milhões em gastos suplementares para o Ministério da Saúde.

POLÊMICA

O fato de a Roche deter a patente do remédio é alvo de uma polêmica: o que será feito desse monopólio se o surto da gripe aviária ocorrer de fato e se espalhar pelo mundo? A OMS prefere não comentar, ainda, uma eventual quebra de patente para a produção de genéricos.

Segundo a Roche, a quebra de patente pode não ser a estratégia ideal. "A gripe aviária não obedece à mesma lógica da aids", disse Ferreira, lembrando que uma eventual pandemia causaria mortes em curto espaço de tempo e os governos precisariam de meses para produzir versões genéricas do Tamiflu.