Título: Uruguaio admite: 'Fiz vôo da morte'
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/08/2005, Internacional, p. A17
BUENOS AIRES - "Fui o co-piloto do primeiro vôo (da morte)", disse o comandante da Força Aérea uruguaia, Enrique Bonelli, ao confessar participação em 1976 nas transferências aéreas de prisioneiros políticos uruguaios da Argentina - onde haviam sido presos e torturados - para o Uruguai. Essa é a primeira vez que um chefe das Forças Armadas uruguaias confessa publicamente envolvimento na repressão da ditadura militar uruguaia (1973-85). Essas ações, realizadas dentro da Operação Condor (sistema de colaboração e troca de prisioneiros e informações entre os regimes militares que dominavam o Cone Sul na década de 70), ficaram conhecidas em Montevidéu como "os vôos da morte", já que diversos prisioneiros foram trasladados para serem executados no lado uruguaio da fronteira.
Bonelli, no entanto, argumenta que não é culpado de morte alguma.
Segundo ele, era apenas um co-piloto (na época era primeiro-tenente), que recebia ordens superiores. "Os oficiais que estavam a cargo (da operação) nos diziam: apresente-se, decole, agora vá na direção do Aeroparque em Buenos Aires... mas, nunca soubemos a identidade nem a quantidade de prisioneiros", explicou, em declarações ao semanário Búsqueda, de Montevidéu.
O chefe da Força Aérea sustenta que a intenção era trazer os prisioneiros para o território uruguaio, já que na Argentina "eles estavam passando mal" - referência às torturas e assassinatos em massa levados a cabo pelos militares argentinos. "Todos estávamos convencidos de que salvamos as vidas daqueles que trouxemos de volta para o país."
No vôo co-pilotado por Bonelli, o avião transportava 22 presos uruguaios, integrantes do Partido pela Vitória do Povo (PVP).
A repressão, no território argentino, foi muito mais intensa que a ocorrida no Uruguai. Enquanto que os militares uruguaios assassinaram 32 opositores políticos, os argentinos eliminaram 30 mil pessoas, entre elas, velhos e crianças. Nessa lista de vítimas da repressão argentina, figuram 127 uruguaios assassinados em campos de tortura em Buenos Aires e subúrbios. Muitos deles haviam fugido do Uraguai em 1973, quando ocorreu o golpe militar. Mas foram feitos prisioneiros em Buenos Aires a partir de 1976, quando ocorreu o golpe militar na Argentina.
As declarações de Bonelli ocorrem poucas semanas depois da entrega, por parte dos chefes das Forças Armadas, ao presidente Tabaré Vázquez de um relatório que detalha pela primeira vez a ação dos militares na repressão política.
Nos últimos dias, o clima entre os militares e os organismos de defesa dos direitos humanos ficou tenso.
Escavações realizadas em um quartel em Canelones, onde eram procurados restos mortais de desaparecidos políticos, acabaram em fracasso. Na semana passada, Vázquez teve de desmentir que estivesse pensando em conceder um indulto aos militares envolvidos na repressão. Além disso, o Exército desmentiu a existência de um cemitério clandestino em um campo de manobras de Tacuarembó.