Título: 'É o discurso de um cidadão acuado'
Autor: Christiane Samarco
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/08/2005, Nacional, p. A7

BRASÍLIA - Tanto os aliados quanto os adversários do Palácio do Planalto entenderam como um desabafo o discurso sobre a crise feito ontem pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES). "Cem dias de crise desestabilizam qualquer um. Ele fez um desabafo até muito equilibrado para quem está sob tamanha pressão", defendeu o líder do PMDB no Senado, Ney Suassuna (PB). "Foi o discurso de um cidadão acuado, cujo perfil não é nada parecido com o de um Juscelino Kubitschek", contestou o senador Heráclito Fortes (PFL-PI) rebatendo a comparação feita por Lula em seu discurso. Ele disse perante o conselho que a crise no País já levou ao achincalhe de JK, que foi chamado de ladrão e hoje tem reconhecimento mundial. "As prioridades de JK eram o Parlamento e o desenvolvimento, enquanto Lula não tem apreço pelo Congresso nem uma política de desenvolvimento para o País", disse o pefelista.

O líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), também refutou as referências históricas feitas por Lula, que, além de Juscelino, citou especificamente os ex-presidentes Getúlio Vargas, que cometeu suicídio no meio de uma onda de denúncias contra seu governo; Jânio Quadros, que renunciou; e João Goulart, deposto pelos militares. "A oposição não quer que ele se mate nem que renuncie. E também não tem ninguém querendo depô-lo", disse Virgílio. Não opinião dele, seria melhor se Lula se explicasse e afugentasse de uma vez "os fantasmas que lhe fazem tanto mal".

POR UM FIO

Do outro lado, o senador Suassuna considerou positivo o fato de Lula ter dito em sua exposição que não se mata, não renuncia e não foge do País. "É um alívio para o partido dele e para os aliados."

A despeito da defesa do discurso presidencial, a tolerância dos partidos aliados com o presidente Lula está por um fio no Congresso. Nos bastidores, até o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), tem revelado descrença na possibilidade de uma administração competente da crise.

Amigos do senador peemedebista revelam que ele saiu irritado do Planalto na quarta-feira. Teria reclamado porque a reunião de Lula com os presidentes dos dois outros poderes - o Senado e Supremo Tribunal Federal (STF) - não teve o caráter "institucional e solene" que havia sido combinado.

A solenidade teria sido desfigurada pela participação do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e do vice-presidente José Alencar, entre outros. Ficou parecendo reunião de apoio ao governo, com os três poderes dividindo o ônus da crise. Era tudo o que Renan não queria.

No discurso de ontem, o presidente também ignorou o conselho recebido na véspera por Renan e Nelson Jobim, do STF. Depois de fracassar na tentativa de incluir uma crítica ao Ministério Público de São Paulo no texto da nota conjunta dos presidentes dos três poderes, Lula não se conteve na fala de ontem. Aproveitou para protestar contra o "carnaval" feito pelos procuradores que envolveram o ministro da Fazenda nas denúncias de corrupção antes de concluir as investigações.

MANTER DISTÂNCIA

Em Porto Alegre, o governador gaúcho, Germano Rigotto (PMDB), observou que o presidente deve se manifestar sempre que for possível, mas ressalvou que suas intervenções devem ficar à margem do processo eleitoral de 2006. "É importante que o presidente, sempre que tiver condições de falar e se posicionar, que o faça", afirmou. "Mas também é importante que suas manifestações fiquem longe de 2006."

Na avaliação do governador, quanto mais o presidente se distanciar de manifestações voltadas para 2006, melhor será para a situação política dele e para o País. "A manifestação firme do presidente, afirmando que vai ajudar a buscar os responsáveis por irregularidades, assim como as ações que tiver nessa direção serão aplaudidas pela população", completou o governador do Rio Grande do Sul. Ele fez as declarações numa entrevista coletiva, após participar da solenidade de assinatura de um termo de compromisso para a instalação da Santa Fé Vagões no Rio Grande do Sul.