Título: 'Se Lula não sabia de nada, como pode ter chegado a presidente?', diz FHC
Autor: Fabiano Rampazzo
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/08/2005, Nacional, p. A8

Na mais dura crítica a seu sucessor, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso duvidou ontem que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não tivesse conhecimento da série de fatos que culminaram na atual crise política. "Será que o Lula não sabia de nada? E se não viu nada, como pode ter chegado a ser presidente?", questionou FHC, dizendo ser "inquietante" a dúvida que paira sobre o nível de conhecimento dos fatos por Lula. Para ele, o ano de 2005 "está perdido pelo Brasil". Em entrevista à rádio CBN, FHC declarou que, "mesmo os que nunca se iludiram com o PT vivem agora um período de desilusão. afirmando que "nos sentimos todos um tanto desiludidos". Em seu desabafo, disse que partilham dessa desilusão, inclusive, "os que nunca tiveram ilusão com o PT".

"Nós todos vamos pagar um preço, (sofrer) uma desilusão, mesmo os que nunca tiveram ilusão com o PT, porque eu nunca tive", disse, ressaltando que não acredita na ingenuidade do presidente. "Não é possível terem feito tanta coisa equivocada e ninguém ter percebido."

O ex-presidente criticou o que chamou de "paralisia do País" em função da escalada dos escândalos de corrupção que atingem o governo. Para ele, "o ano de 2005 está praticamente perdido para o Brasil", inviabilizando a votação de projetos importantes pelo Congresso, com o governo e parte da classe política engolfados pela crise política. "Nós perdemos este ano, não há dúvida. A sensação é de que o Brasil está patinando, enquanto o mundo não está patinando", alertou.

DESMORALIZAÇÃO

Fernando Henrique disse enxergar uma "decomposição bastante séria do sistema político brasileiro". Segundo ele, ainda que PFL e PMDB tenham força e representatividade no País, PT e o PSDB polarizavam as questões políticas e, na medida em que o PT se enfraquece, e um desses pólos fica com a "perna quebrada", a relação fica "capenga". "O PT foi muito atingido em sua credibilidade. A meu ver tudo vai depender de como o PT vai se recompor", frisou.

Ele afirmou que o surgimento dos escândalos e a sucessão de denúncias que configuraram a crise política não tiveram a colaboração das oposições, que não alimentaram o processo de denúncias. "Se há um massacre contra o governo, é um massacre interno, e não da oposição", destacou.

O ex-presidente lembrou que tudo o que está aparecendo ou está sendo descoberto nos escândalos surgiu por acaso ou pelo esforço da imprensa. "Eles estão jogando a pedra para o alto e a pedra está caindo na própria cabeça deles", disse.

No atual quadro, o ex-presidente não acredita que a reforma política possa ser discutida e aprovada ainda este ano. Ele lembrou que as leis fixando mudanças para as eleições de 2006 teriam de ser aprovadas até o dia 30 de setembro. "É muito pouco provável que haja qualquer reforma", conjeturou.

FHC afirmou ainda que um dos principais problemas contemporâneos do Brasil é o sistema eleitoral. "Sou partidário do voto distrital, porque da maneira que está, a sociedade vai para um lado e os governos vão para outro. Mas isso não se muda da noite para o dia, tem que haver um processo", justificou.

Ele também desaconselhou mudanças no sistema eleitoral numa época de crise profunda. "Não existe política sem crença. E neste momento não há crença no Congresso."

FHC admitiu ainda que o enfraquecimento do PT e do governo Lula beneficia o PSDB, mas ressalvou que é muito cedo para cantar vitória no panorama eleitoral. "Temos de tomar cuidado e não achar que já está tudo resolvido , até porque o povo não está pensando nisso ainda, ainda é cedo". Mas reconheceu que "o quadro é bom" para os tucanos. Ao analisar a pesquisa do Ibope que apontou perda de confiança no governo e a derrota de Lula em simulações de 1.º e 2.º turnos, FHC disse que não se surpreendeu: "A perda de popularidade já vinha acontecendo há algum tempo".