Título: Buratti acusa Palocci na CPI e diz que propina era regra em cidades do PT
Autor: Rosa Costa e Lisandra Paraguassú
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/08/2005, Nacional, p. A10

BRASÍLIA - Em depoimento à CPI dos Bingos ontem o advogado Rogério Buratti relatou que as prefeituras do PT em São Paulo tinham esquema de arrecadação de recursos que depois eram transferidos diretamente para o então tesoureiro do partido, Delúbio Soares. 'Há o esquema do lixo que envolve as prefeituras (do PT)', confirmou, revelando que conhecia detalhadamente o mecanismo em Ribeirão Preto. Secretário de Governo da prefeitura de Ribeirão em 1993 e 1994, na época em que o prefeito era o hoje ministro da Fazenda, Antonio Palocci, Buratti disse que não havia pagamento de propina das empresas de lixo em São Paulo, à época da administração de Marta Suplicy. Segundo ele, o acordo que havia entre as empresas de lixo e a administração de Marta envolvia uma contrapartida das empresas contratadas nas campanhas eleitorais do PT.

Quando indagado se Palocci sabia do esquema quando era prefeito, respondeu: 'Sempre admiti que os prefeitos soubessem desses pagamentos', disse. 'Nenhuma empresa faz uma contribuição, pequena ou grande, sem que o principal, o patrão, o prefeito saiba, então acredito que ele soubesse.' Instigado pelos senadores a dar o nome de outros prefeitos, citou só Palocci, referindo-se aos demais pelas cidades. 'Acredito que todos eles sabiam do pagamento, Palocci, Matão, Sertãozinho, Monte Alto.' Segundo Buratti, isso 'era a regra do jogo', os 'agentes municipais' impunham a contribuição.

Apesar das acusações, Buratti admitiu que não tem provas. Sua única testemunha seria Ralf Barquete, que foi secretário de Fazenda de Palocci na prefeitura de Ribeirão e morreu em 2004. 'É muito difícil você falar de uma coisa, da qual você tem informações e não tem provas, porque a única prova é uma pessoa morta', disse. 'Eu conversava muito com o Ralf. Era uma pessoa honrada, tinha uma família bonita, um pai maravilhoso, uma pessoa que admirei muito. Fomos amigos durante dois, três anos, os últimos anos da vida dele, e é lamentável tratar dessa forma de uma pessoa que está morta.'

NOTAS COMPRADAS

Buratti informou que o preço era fixo e não um porcentual do contrato. 'A prefeitura colaborava na preparação do edital e no estabelecimento do cronograma', afirmou. A pedido dos senadores, Buratti explicou que a propina era paga depois das licitações. No caso da Leão Leão, o dinheiro era contabilizado no caixa da empresa como prestação de serviço ou escamoteado com 'notas compradas'. 'Notas compradas era notas frias?', perguntaram os senadores. Ele disse que sim: 'Era assim que os balanços eram forjados.' Flávio Arns (PT-PR) quis saber como conhecia o esquema. 'Eu sabia de onde o dinheiro saía e para onde ia, no caso de Ribeirão, acredito que foi entregue na sede do PT', explicou. Buratti não revelou ao relator quem era o personagem que apelidou de 'Charuteiro' nas conversas telefônicas em que tratava da licitação do lixo de São Paulo, na gestão de Marta . 'Acho que era alguém da comissão de licitação', respondeu.

Em nota divulgada ontem, a Leão Leão negou envolvimento no esquema. A empresa afirma que 'sua participação bem-sucedida em algumas licitações decorre da qualidade de seu quadro de pessoal, sua tecnologia avançada e de uma gestão administrativa rígida, que lhe permite preços competitivos'.

PALOCCI

No depoimento ontem, Buratti também reiterou a denúncia de que Palocci recebia, nos dois últimos anos do mandato de prefeito de Ribeirão, 2000 e 2001, R$ 50 mil por mês de um esquema de propina que alimentava o caixa de campanha do PT. O dinheiro da Leão Leão, segundo ele, era entregue a Delúbio por Ralf Barquete, então secretário do prefeito Palocci.

O advogado disse que aceitaria fazer acareação com o ministro, 'olhando olhos nos olhos', como frisou o relator da CPI, senador Garibaldi Alves (PMDBRN). 'Se necessário fosse, eu reafirmaria o depoimento que dei ao Ministério Público na presença do ministro', assegurou.

Segundo ele, denunciar Palocci à promotoria foi 'o maior conflito' que já teve na vida. Buratti disse não saber se Palocci 'pegou ou não no dinheiro (nos R$ 50 mil)' ou se agia por ordem do PT, sem levar vantagem pessoal. 'Ele tinha uma trajetória ligada ao PT. Tenho profundo respeito pelo ministro Palocci, é um homem de bem, um dos poucos pilares que sustentam este governo, homem íntegro e correto.' Ele lamentou que Palocci não o tenha defendido quando foi 'banido do PT', em 1994, por suspeita de corrupção na prefeitura e, só agora venha dizer que não o manteve no cargo porque não achava adequado. 'Acho que não deveriam ter passado 12 anos para ele dizer isso', queixou-se Buratti.

Seu depoimento durou cinco horas e meia. 'Ele tentou livrar o ministro, mas não conseguiu', afirmou Garibaldi. Sobre os telefonemas para o ministro, Buratti chegou a dizer que fez isso 'várias vezes', mas se corrigiu e disse que foram 'poucas vezes'. O assunto, na maioria das vezes, seria 'o estado de saúde do Ralf'. Segundo ele, em determinadas ocasiões, para falar com o ministro, ligava para o celular de seu assessor Ademirson Ariosvaldo da Silva.

PROMOTOR

A presença na CPI do promotor Aroldo Costa Filho, que investiga o caso em Ribeirão, foi criticada por Arns e Tião Viana (PTAC). Eles queriam que Costa se retirasse, mas o presidente e o relator, senadores Efraim Morais (PFL-PB) e Garibaldi Alves (PMDB-RN), disseram que o promotor atendeu a um convite deles. 'Recebemos dele inúmeros documentos e fomos nós que o convidamos a assistir ao depoimento', afirmou Efraim.

O advogado acabou dando aos senadores uma aula sobre fraude nas licitações do lixo. Segundo ele, quanto mais complicada for a licitação, mais fácil é 'buscar elementos para fazer um acordo'. Para Garibaldi, o depoimento mostrou 'com clareza' a origem de boa parte do dinheiro arrecadado pelo PT.