Título: Em 2013, o maior de todos os telescópios
Autor: Dennis Overbye
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/08/2005, Vida&, p. A22

Nas entranhas cavernosas do estádio de futebol da Universidade do Arizona, a fornalha de Roger Angel girava como um disco voador, a cinco revoluções por minuto. Dentro dela, dois meses atrás, começava a nascer um espelho de proporções gigantescas: 8,4 metros de diâmetro por 3 metros de espessura. Tudo coberto por uma carapaça de caixas vermelhas, barras de aço, cabos escuros, luzes piscantes e dutos de escape serpenteando pelo seu corpo como os braços de polvo gigante. O brilho laranja de 18 toneladas de vidro, submetidas a uma temperatura de 3.800 ºC, escapava pelas aberturas. Esse vidro estava a caminho de se tornar a primeira peça fundamental do Telescópio Gigante Magellan (GMT, em inglês), o maior telescópio do mundo, que os cientistas esperam construir na próxima década, no Chile. Em volta da fornalha, dezenas de astrônomos e outras dignidades assistiam à concepção do espelho - apenas o primeiro de sete do mesmo tamanho. "É um projeto muito ousado", disse Angel, astrônomo que dirige o Stewart Observatory Mirror Laboratory. Ele vem construindo espelhos e coroando o topo de montanhas com telescópios há 20 anos, mas nem ele nem ninguém jamais construiu algo dessas proporções.

Se tudo correr como planejado, o GMT terá uma capacidade de captação de luz equivalente à de um espelho de 21 metros. Isso corresponde ao dobro do tamanho do Telescópio Keck, o maior em operação atualmente. Mas há muitos desafios, a começar pela concepção dos gigantescos espelhos.

Sem falar no custo: meio bilhão de dólares, ainda não disponíveis. O projeto é de um consorcio de oito instituições, que inclui a Carnegie Institution, Harvard, Massachusetts Institute of Technology, Smithsonian Astrophysical Observatory e as Universidades do Arizona, Michigan, Texas e Texas A&M. Para mostrar que o sonho é possível (e angariar fundos), elas resolveram construir o primeiro espelho, ao custo de US$ 17 milhões.

"Todos nós acreditamos que é preciso testar essa tecnologia", disse Wendy Freedman, diretora do Carnegie Observatories. Se esse teste falhar, o projeto não irá adiante. "É um ato de coragem você começar algo sem saber se vai terminar", disse Robert Kirshner, de Harvard. A fabricação dos espelhos, com ou sem dinheiro, é necessária para cumprir o cronograma do projeto. A meta é começar a operar o telescópio no Chile em 2013, seguido de uma inauguração completa em 2016.

A data coloca o grupo próximo ao calendário de lançamento do Telescópio Espacial James Webb, da Nasa, marcado para 2011, e lado a lado com um grupo de instituições rivais (California Institute of Technology, Universidade da Califórnia e a Associação Astronômica do Canadá), que planeja construir um telescópio de 30,5 metros, a partir de uma tecnologia totalmente diferente.

Ainda levará alguns meses para saber se o primeiro ato de coragem foi bem sucedido. O espelho permanecerá dentro da fornalha, esfriando, até outubro. Só então os técnicos poderão abrir a tampa do disco voador e retirar o espelho de dentro dele. "Não perdemos tempo com um plano B", já avisa Angel, confiante.