Título: Pai quer eutanásia do filho de 4 anos
Autor: Priscilla Sales
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/08/2005, Vida&, p. A21

Há quatro meses, João, de 4 anos (completará 5 no dia 21) passa os dias deitado numa cama de hospital. Ele é vítima de uma síndrome metabólica degenerativa que aos poucos está paralisando os movimentos de seu corpo. Segundo os médicos, a doença não tem cura e o levará progressivamente à morte, embora não façam previsão sobre quanto tempo isso levará. O pai de João vai pedir à Justiça a eutanásia, ou seja, o desligamento dos aparelhos que o mantêm vivo. Sua mãe é contra. Internado no leito 4 do Centro de Terapia Intensiva (CTI) do Hospital Unimed, em Franca, João alimenta-se por uma sonda e respira com ajuda de aparelhos. Apesar de ainda registrar atividades cerebrais, já não enxerga, não fala e não move mais o pescoço, os braços e as pernas.

"Não agüento mais ver meu filho sofrendo. Ele não merece. É um garoto lindo, muito amado, mas que não tem o direito de acompanhar o nascer do sol. Não pode brincar, nunca vai saber o que é jogar futebol na rua ou brigar com os colegas de escola... Nem o prazer de saborear os alimentos ele tem, para que viver assim?", diz Jeson de Oliveira, de 35 anos, recepcionista numa indústria de calçados.

Há três meses, ele não visita o filho. "Não suporto vê-lo na cama com as perninhas atrofiando e morrendo aos poucos. Fico desesperado." Da última vez que esteve no CTI, tentou desligar os aparelhos, mas foi contido pelos médicos. "Não consegui voltar lá."

A mãe do garoto, Silvia (nome fictício), de 22 anos, é contra o desligamento. "Esse garoto é a minha vida. Não posso admitir que alguém queira tirar-lhe a vida, ainda que tênue. Acredito na força de Deus e sei que Ele vai salvar meu filho", disse. Ao contrário do pai, ela visita o filho todos os dias.

Separada de Oliveira há cerca de dois anos, quando os problemas de saúde de João se agravaram, ela sobrevive com a pensão de R$ 300 paga pelo INSS. "Optei por não trabalhar para poder ficar o maior tempo possível ao lado do meu filho. Não sei quanto tempo ele ainda vai viver e quero curtir cada momento de sua vida. Ele é tudo pra mim."

Até os 18 meses, João era um garoto normal. Já andava e se aventurava a falar as primeiras palavras. Os primeiros sintomas foram convulsões. "Ele perdia os sentidos, caía no chão se debatendo. A pediatra dizia que ele tinha atraso motor e nos encaminhou para a Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais)", disse o pai. João ficou lá um ano. Seu estado só piorou. "Ele perdeu o movimento das pernas e já não falava. Fiquei desesperada porque nenhum médico identificava o problema", disse Silvia.

Ela conseguiu marcar consulta com especialistas no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto. "Ficamos mais de um mês fazendo exames, tomografias e até biópsias. Ao final, veio o diagnóstico de que ele era portador de uma síndrome que o mataria aos poucos. Minha vida acabou ali."

A probabilidade de uma criança desenvolver a síndrome (os médicos não revelaram o nome exato) é de 1 em 2 milhões de nascimentos. A doença, de origem genética, impede o organismo de produzir uma enzima, dificultando a absorção de energia pelas células, o que provoca a degeneração gradual do organismo.

O diretor da Faculdade de Direito de Franca, Euclides Celso Berardo, disse que as chances de Oliveira obter sucesso no pedido são remota, pois a Constituição defende o direito à vida.