Título: Vem o helicóptero. Traz uma vida nova
Autor: Cristina Amorim
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/08/2005, Vida&, p. A21

Terça-feira, 5h16. A Central de Transplantes da Secretaria de Saúde de São Paulo recebe um sinal. Um possível doador, de 50 anos, morreu no interior do Estado após um acidente vascular cerebral hemorrágico, conhecido como derrame. Começa cedo o dia de médicos, pacientes e familiares. Em 15 minutos, o Instituto do Coração (Incor) é contatado, um dos dois únicos centros preparados na cidade para realizar transplantes de pulmão - o outro é o Hospital Beneficência Portuguesa. Há uma chance de uma das 30 pessoas da lista de espera ser beneficiada.

O transplante de pulmão é um dos seis tipos disponíveis pelo sistema público de saúde no Estado e o menos aplicado. Em 2004, 19 cirurgias foram realizadas. No mesmo período, o de rim beneficiou 733 pessoas. Segundo o pneumologista Ricardo Henrique Teixeira, que faz parte da equipe do Incor, o número baixo é efeito da dificuldade de achar um doador: o pulmão é o primeiro órgão a ser contaminado por fluidos e bactérias. Para ser aproveitado, não pode apresentar nenhum sinal de infecção, além de ser compatível com o paciente. "Entre 3% e 5% dos casos de potenciais doadores se convertem em transplantes", explica.

São 8h30 e, em Araras, o pai de A.P.M. recebe uma ligação no celular. Ele é avisado pelo instituto que há uma chance de sua filha, a primeira da lista de espera, se livrar do tanque de oxigênio que a acompanha há três anos. Imediatamente o marido e a mãe são avisados e correm para levá-la à capital. Não há tempo para fazer mala. Um carro da Polícia Rodoviária de Limeira leva a paciente, a sirene ligada.

No caminho, o nível de oxigênio no sangue dela baixa, lembra o marido. "Nervoso, né?" Em 13 anos de casado ele sempre viu sua mulher reclamar de falta de ar. O que parecia ser uma bronquite se mostrou uma doença mais complexa e praticamente incurável. A.P.M., de 35 anos, está na fase avançada de bronquiectasia, uma dilatação irreversível dos brônquios (os canais que se ramificam nos pulmões), que impede o fluxo do ar. A causa mais comum é um fungo, que pode tê-la infectado ainda na infância.

Às 9h30 sai, de São Paulo, uma ambulância com três médicos rumo a São José dos Campos. Duas horas e meia depois, eles confirmam que os pulmões têm condições de ser aproveitados, são compatíveis com A.P.M. e os retiram do doador - que ainda cede coração, rins e córneas. O procedimento termina às 16h15. A equipe agora tem apenas quatro horas para implantar os dois pulmões na paciente.

O retorno é feito por ar, a bordo de um helicóptero da Polícia Civil. É a segunda vez no ano que funciona a parceria com a Central de Transplantes. Às 17h12, o aparelho desce no hospital. O marido, na recepção do Incor, vê a chegada dos órgãos e sorri para a equipe apressada. Sua mulher já está na mesa de cirurgia, anestesiada e pronta para o transplante.

Até o fechamento desta edição, a cirurgia não havia terminado - a previsão, caso tudo ocorresse bem, seria meia-noite. A.P.M. pode se tornar, hoje, a 13ª transplantada de pulmão de São Paulo apenas neste ano. Outros 29 continuam na fila.