Título: 'Prefiro ter miolo mole a uma visão social endurecida', diz Berzoini
Autor: Vera Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/08/2005, Nacional, p. A10

Um dia depois de afirmar que é preciso "outro foco" na política econômica, o deputado Ricardo Berzoini (SP), novo candidato do Campo Majoritário à presidência do PT, retomou as estocadas. Ao saber que o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, chamou de "miolo mole" quem critica a política econômica, Berzoini reagiu com irritação. Disse que o superávit primário não pode ser um fim em si mesmo e falou em "governos medíocres" no Brasil. Questionado se o governo Lula era medíocre, o deputado respondeu que não porque tem "conquistas extremamente importantes". Admitiu, porém, que o País deseja mais investimentos e política "mais agressiva" na área social. "Se o Brasil trabalhar com a idéia de que inflação baixa, superávit primário alto e dívida interna sob controle são fins - e não meios -, com certeza teremos governos medíocres para a eternidade."

Hoje secretário-geral do PT, Berzoini entra na disputa em substituição a Tarso Genro, que se desentendeu com o deputado José Dirceu (SP), a menos de um mês da eleição interna que vai escolher o novo presidente do partido, dia 18. Nesta entrevista ao Estado, Berzoini insistiu que a saída de Dirceu da chapa do Campo Majoritário seria "desejável". E garantiu: "Não serei rainha da Inglaterra e não aceito ser encabrestado."

O sr. disse que quer outro foco na economia. O que significa isso?

Significa praticar uma gestão orçamentária mais progressista. Temos de ter responsabilidade fiscal, mas uma estratégia de ampliar investimentos. Significa também combinar a preocupação legítima e correta com a inflação com a preocupação, também legítima e correta, com a atividade econômica. A política monetária - que é decorrência da meta de inflação fixada - deve ter a preocupação de não se tornar restritiva ao crescimento.

Essa combinação é possível?

Sim. Mas, quando você fixa uma meta de inflação muito rígida, obriga o Banco Central a praticar taxa de juros maior do que a necessária e isso provoca restrição ao crescimento.

Por que o sr. acha que será difícil "vender" entusiasmo em 2006 com essa política econômica?

Se você verificar a execução orçamentária em vários programas do governo, estamos executando menos neste ano do que em 2004. Entendo perfeitamente qual é a estratégia da área econômica, inclusive de usar a redução da demanda no setor público como um dos fatores de freio para a inflação. Mas isso também freia a atividade econômica e prejudica os programas sociais. São questões simples, que dependem de uma visão um pouco menos ortodoxa.

O presidente Lula terá apoio do PT para se candidatar à reeleição se mantiver o programa econômico?

Eu acho que o presidente vai refletir muito sobre essa situação. Embora até agora tenha dado total apoio à estratégia da equipe econômica, Lula sabe que o diálogo político é fundamental. O Brasil sempre aceitou fazer sacrifícios para colher resultados no futuro. Alguns resultados nós já estamos colhendo, como a inflação sob controle e o fato de que o País está mais forte, hoje, para suportar choques externos. Mas outros frutos precisam ser colhidos, como a redução forte da taxa de juros e um crescimento que nos coloque não na retaguarda entre os países emergentes, mas na vanguarda do processo.

Mas o presidente vai ter apoio do PT se não mudar a política econômica?

Pule essa pergunta. (risos)

O sr. mesmo disse que a maioria do partido vai exigir mudanças...

E não preciso ficar repetindo isso toda semana, né?

O ministro Paulo Bernardo disse que o sr. errou ao atacar a política econômica porque ela tem alta credibilidade e o PT está com baixa credibilidade. Afirmou que os críticos devem estar de miolo mole ao dizer que Lula tem de mudar o seu programa. O sr. tem miolo mole?

Respeito muito o ministro Paulo Bernardo, mas acredito que ele mostra uma falta de capacidade de análise da conjuntura. É só ele vir para dentro do Congresso e analisar qual é o sentimento da base do governo em relação à execução orçamentária. Nunca ataquei os fundamentos da política econômica. Defendi que o Brasil precisava fazer um superávit primário forte em 2002, antes da posse de Lula. Mas superávit não é um fim em si mesmo. É para superar fase de instabilidade. Trabalhar com a idéia de que a austeridade fiscal é um fim em si mesmo é um erro. Se o Brasil trabalhar com a idéia de que inflação baixa, superávit primário alto e dívida interna sob controle são fins - e não meios - com certeza teremos governos medíocres para a eternidade.

O governo Lula é medíocre?

Não. O governo Lula tem conquistas extremamente importantes, até porque recebeu herança do governo passado que colocou o Brasil num clima de alta instabilidade. Soube executar uma política econômica austera para reverter a baixa credibilidade que havia e iniciar a implantação de programas sociais ambiciosos, como o Bolsa-Família, ampliou investimentos da agricultura familiar, melhorou a gestão dos fundos sociais dos trabalhadores. Mas o governo e o País desejam mais.

Como assim?

É preciso que o governo execute mais o Orçamento e faça política na área social mais agressiva para reduzir as desigualdades. Se isso é ter miolo mole, prefiro ter miolo mole a essa visão social endurecida pela tecnocracia que habita o setor econômico. Ainda somos o País, entre os que contam na economia mundial, mais desigual. No Brasil não basta fazer política econômica e monetária austera.

O presidente interino do PT, Tarso Genro, disse que o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, não seria seu candidato à sucessão de Lula. Pelo visto, o seu também não...

Se o PT aprovar o nome de um candidato, seja ele qual for, eu apoiarei. O que acho é que temos de discutir a reeleição do presidente Lula.

Como o sr. encara comentários de que será um preposto do deputado José Dirceu na presidência do PT se vencer a eleição interna?

É, no mínimo, desconhecer a maneira como sempre militei no PT: com independência, tendo opiniões muitas vezes ousadas, que causam polêmica, mas, ao mesmo tempo, respeitando o processo coletivo. Para mim, a presença de Dirceu na chapa é indesejável. Mas quem vai decidir é a chapa: seja pela exclusão seja pela manutenção.

Há quem diga que há duas opções caso o sr. seja eleito presidente do PT: ser uma rainha da Inglaterra ou um administrador da massa falida...

O PT tem futuro promissor. Quem passa por crise dessas e sobrevive aprende muito. Não serei rainha da Inglaterra e não aceito ser encabrestado. Também não haverá massa falida.

O sr. conversou hoje (ontem) com o presidente Lula. O que ele pediu?

Eu disse ao presidente Lula que é importante que tenhamos aproximação da bancada federal com o presidente. No início houve muita confusão entre o papel do partido e o do governo.

Haverá ou não punições no PT?

Não tenho dúvida de que haverá. Quantas serão e quando ocorrerão vai depender do processo interno.

É normal o caixa 2 nas campanhas?

Não acho normal, mas também não sou hipócrita de acreditar que o problema começou com essa crise. Temos cultura de setores do empresariado que não gostam de se expor e fornecedores que buscam trabalhar sem notas. Fundamental para não ficar em debate hipócrita em relação ao financiamento de campanha é discutir como ter lei que permita eliminar esse risco.