Título: O IGP-M entortou
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/08/2005, Economia & Negócios, p. B2

A primeira vez que esta coluna tratou do "mergulho do IGP-M" (Índice Geral de Preços do Mercado) foi em maio, com o objetivo de chamar a atenção para coisas importantes em curso no mercado atacadista. Nessa coluna havia uma afirmação considerada muito auspiciosa: a de que a evolução do IGP-M ao longo de todo este ano embicava para alguma coisa em torno dos 6%, algo espetacular ao se levar em conta que, em 2004, ficara nos 12,4%.

Hoje se vê que essa projeção estava errada. O IGP-M deverá terminar o ano com uma evolução em torno dos 2%.

A pesquisa Focus divulgada segunda-feira pelo Banco Central, que registra a expectativa de cerca de 100 agentes econômicos (bancos, grandes empresas, instituições), apostava na semana passada numa evolução de 2,54%. Mas a inflação negativa de agosto deverá derrubar ainda mais esse número.

O IGP-M não mede a inflação para efeito da definição do tamanho dos juros. Trata-se do Índice Geral de Preços (IGP), velho de guerra, da Fundação Getúlio Vargas, calibrado para apresentar, a cada dia 30, a evolução dos preços em 30 dias.

Como tem forte participação de preços no atacado (peso 60 em 100) é uma boa antecipação do que está para acontecer também no custo de vida (preços no varejo). Não dá para dizer que o preço no varejo será amanhã o que o preço no atacado é hoje, não só porque a transferência não é automática, mas, também, porque o varejo contém grande número de preços que não têm relação com o atacado, como aluguel, serviços pessoais (cabeleireiro, médico, advogado) e anuidades escolares. Mas muita coisa tomará esse rumo, como já está visivelmente acontecendo com os alimentos.

Não é verdade que a curva do IGP-M esteja embicada para baixo (veja gráfico) porque a indústria está desencalhando estoques em conseqüência da recessão. Ao contrário, os últimos dados do IBGE mostram que a produção industrial está crescendo 5%. O IGP-M reflete a queda do dólar no câmbio interno e a maior concorrência exercida pelo produto importado.

Ontem, o ministro do Desenvolvimento, Luiz Furlan, adiantou que as exportações de agosto serão recordes, provavelmente acima dos US$ 7,5 bilhões, o que reflete o forte afluxo de produtos importados. Isso não chega a ser preocupante por duas razões: porque as exportações de agosto deverão ficar quase US$ 4 bilhões mais altas do que as importações; e porque o maior crescimento das importações reflete investimentos e maior atividade econômica, especialmente máquinas, matérias-primas e componentes. Se aumenta a participação do importado no produto de fabricação nacional, tende também a derrubar o seu preço final.

A virada do IGP-M deverá produzir grande impacto no segmento controlado pelos preços administrados. São as tarifas (luz, água, telefone), grande parte dos serviços financeiros, mais uma penca de preços cujas correções estão previstas em contrato.

Esse segmento quase não é atingido pela política monetária do Banco Central. Se os reajustes são previamente estabelecidos por lei ou por contrato, não haverá superdose de juros capaz de derrubá-los. Além disso, como pesam nada menos que 30% no custo de vida, fica fácil entender que um reajuste anual em torno de 2%, como está dito, deverá facilitar o controle da inflação no ano que vem. Por aí se vê que os juros básicos podem cair drasticamente.

Há, no entanto, uma forte incerteza pesando sobre esse universo fortemente otimista. É o que deve acontecer com os preços dos combustíveis. O último reajuste dos preços da gasolina e do diesel, determinado pela Petrobrás, ocorreu em novembro do ano passado, quando os preços internacionais do petróleo estavam um pouco acima dos US$ 40 por barril de 159 litros. Ontem, passaram dos US$ 70.

A diretoria da Petrobrás não consegue mais esconder que pratica preços políticos. Mais cedo ou mais tarde, terá de reajustá-los, seja qual for o critério alegado de reajuste. Quando isso acontecer, a curva do IGP-M voltará a entortar-se.