Título: Lamy assume OMC com desafio de levar adiante a Rodada Doha
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/08/2005, Economia & Negócios, p. B7

O francês Pascal Lamy assume amanhã a direção da Organização Mundial do Comércio (OMC) com o desafio de concluir a Rodada Doha e implementar regras mais favoráveis ao desenvolvimento dos países pobres. Lamy, ex-comissário de Comércio da União Européia (UE), permanecerá no comando da principal organização comercial por cinco anos e substituirá ao tailandês Supachai Panitchpakdi. Sua chegada, porém, coincide com um momento crítico das negociações, já que a entidade vive um impasse e tem menos de quatro meses para concluir um primeiro acordo sobre como deverá ocorrer a liberalização dos mercados.

O europeu foi eleito em um processo de seleção que contou com outros três candidatos, entre eles o brasileiro Luiz Felipe de Seixas Corrêa. Para analistas em Genebra, a experiência de Lamy pode dar novo impulso à entidade.

Mas diplomatas mais pessimistas alertam que o diretor pouco poderá fazer até dezembro, quando a OMC se reúne em Hong Kong para a conferência ministerial. Temas como a abertura dos mercados agrícolas, de produtos industriais e de serviços não conseguem um consenso entre 148 países da OMC.

Sabendo do desafio e do risco de um novo fracasso em Hong Kong, como ocorreu em 2003 em Cancún, Lamy já começou a trabalhar discretamente antes mesmo de assumir o posto oficialmente. Nos últimos dias, ele passou horas montando sua agenda de reuniões para as próximas semanas e deixou claro que estava apostando todas a suas fichas na reunião de Hong Kong.

Uma reunião em outubro entre os ministros do comércio em Genebra tentará aproximar as posições entre os países, ainda que nada garanta que poderá ocorrer. Brasil, Argentina e outros emergentes insistem em resultados concretos no setor agrícola, enquanto os ricos afirmam que só poderão fazer concessões se houver compromisso das economias em desenvolvimento de que haverá uma liberalização de seus setores industriais e de serviços.

Neste fim de semana, em Bruxelas, o chanceler brasileiro, Celso Amorim, estará com o comissário de Comércio da UE, Peter Mandelson, para debater a negociação da OMC. Nos dias 9 e 10 de setembro, o G-20 (Brasil, Índia, China e outros emergentes) se reúne em uma conferência ministerial em Bhurban, no Paquistão. O objetivo será o de fechar uma estratégia negociadora para resistir à pressão americana e européia até Hong Kong.

Para analistas, em meio à disputa entre os países, Lamy já poderá se sentir realizado se conseguir, ao final de seu mandato, ter acertado com os governos uma data para o fim dos subsídios à exportação agrícola dos países ricos. Para isso, terá de convencer seu próprios colegas europeus, reticentes com a idéia de um fim desse tipo de subsídios em dez anos, como pregam alguns governos.

Atualmente, os subsídios agrícolas consomem metade do orçamento da UE, volume que o primeiro-ministro inglês, Tony Blair, já se mostrou contrário. A França acredita que a reforma nos subsídios promovida por Bruxelas já foi suficiente.

Vários países em desenvolvimento já se mostraram preocupados com o fato de o novo diretor da OMC vir exatamente de um país protecionista. Em uma recente entrevista ao Le Monde, Lamy disse que Europa é para a globalização o que os sindicalismo foi para a revolução industrial do século 19. "Devemos resistir às violências do capitalismo de mercado", afirmou, lembrando que a UE não é um bloco que vai proteger a França da mundialização.

Segundo analistas em Genebra, Lamy, pode trazer visibilidade para a OMC em um momento de crise e até conseguir o maior envolvimento de ministros no processo negociador.