Título: 100 mil nas ruas contra Carta iraquiana
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Fonte: O Estado de São Paulo, 27/08/2005, Internacional, p. A18

BAGDÁ - Cerca de cem mil iraquianos se manifestaram ontem em várias cidades do país contra a proposta de transformar o Iraque em uma federação de regiões autônomas, no maior protesto até agora contra a Constituição que está em fase final de elaboração. Na grande maioria, os participantes eram muçulmanos xiitas seguidores do clérigo radical Muqtada al-Sadr. Eles saíram às ruas de Bagdá, Najaf, Kerbala e outras cidades também para reivindicar a regularização do abastecimento de água e energia elétrica. Duas pessoas foram mortas em choque com a polícia em Kerbala. Os principais dirigentes da comunidade xiita são majoritários no governo provisório e apóiam a criação de regiões autônomas curda (no norte) e xiita (no sul). Não por coincidência, as duas regiões são ricas em petróleo. Já o também xiita Al-Sadr se opõe ao projeto de autonomia. É contra por temer que a divisão do país levará ao aumento da influência do Irã, que mantém boas relações com os líderes xiitas mais poderosos (os seus rivais).

A comunidade sunita, minoritária no Iraque, receia a ingerência do Irã e também teme ficar à margem da renda dos recursos do petróleo, uma vez que as principais reservas ficariam nas regiões autônomas xiita e curda. Outra reivindicação dos sunitas é a eliminação dos tópicos que visam a "desbaathizar" o país - ou seja, eliminar de todas as esferas de poder e dos cargos públicos ex-membros do Partido Baath, do ex-presidente Saddam Husseim.

Ontem os sunitas realizaram uma marcha de protesto em Baquba, ao norte de Bagdá. Cerca de 5 mil pessoas percorreram as ruas centrais, algumas carregando retratos de Saddam e gritando "Bush Bush, escute bem: Nós amamos Saddam Hussein!" Baquba é um dos focos da insurgência contra o governo provisório e as forças dos EUA. Cinco pessoas ficaram feridas quando a polícia disparou para o ar para dispersar uma multidão que se aproximava do palácio do governo.

Enquanto isso, em Bagdá a decisão sobre o texto final da Constituição era mais uma vez adiada. Ao fim de exaustivas reuniões, sob pressão dos EUA para um rápido acordo (ler ao lado), os líderes xiitas e sunitas deram declarações contraditórias. Inicialmente um porta-voz do governo provisório (de maioria xiita) anunciou que fora alcançado um "acordo em princípio". Poucos minutos depois, porém, o negociador sunita Saleh al-Mutlaq negou que houvesse um acordo e pediu que os iraquianos rejeitem a Constituição no referendo de outubro.

Mais tarde, outro dirigente sunita, Hajim al-Hassani, confirmou que os xiitas propuseram várias emendas ao esboço da Carta. Segundo o diário britânico The Guardian, uma proposta seria deixar os termos do federalismo para ser decididos pelo futuro Parlamento, a ser eleito em dezembro. A idéia das emendas surgiu à noite, depois da pressão dos EUA. O influente clérigo xiita Abdul Aziz al-Hakim se dirigiu de Najaf a Bagdá para tratar do assunto.

O presidente do comitê de redação da Carta, Human Hamudi, assegurou que o novo texto será levado ao Parlamento nos próximos dias.

Aparentemente, os sunitas estariam dispostos a aceitar a criação de regiões semi-autônomas desde que fosse limitado a três o número de províncias integrariam cada uma delas. Eles não se oporiam à autonomia dos curdos.

Seu temor é que os curdos levem adiante seu projeto de expandir seu território em áreas ricas em petróleo .