Título: Governistas tentam evitar, mas irmão de Celso Daniel depõe hoje
Autor: Fausto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/09/2005, Nacional, p. A9

João Francisco Daniel, testemunha-chave da investigação sobre o crime que assombra o Palácio do Planalto e para o qual o PT deu as costas, chega às 9 da manhã a Brasília para depor na CPI dos Bingos. Ele pretende repetir aos parlamentares tudo o que já declarou aos promotores de Justiça de Santo André, que investigam a morte do irmão dele, o prefeito Celso Daniel (PT) - seqüestrado, torturado e executado a bala a 20 de janeiro de 2002. A seu advogado, o juiz aposentado Francisco Coelho, e aos mais próximos, João Francisco, que é médico oftalmologista, tem reiterado. "Vou falar a verdade, vou falar exatamente o que eu sei." O que ele sabe aponta para o ex-ministro José Dirceu (Casa Civil) e para Gilberto Carvalho, assessor particular do presidente Lula. "O Gilberto me contou que um dia entregou R$ 1,2 milhão em espécie para o Zé Dirceu", disse João Francisco à promotoria, em relato de maio de 2002.

Ele declarou que Carvalho lhe teria dito que parte do dinheiro arrecadado por um suposto esquema de corrupção em Santo André era destinado a financiamento de campanhas eleitorais do PT. O assessor de Lula nega que tenha tido essa conversa com o irmão de Celso Daniel. Em 2004, mais de 2 anos depois da denúncia, o ex-ministro entrou com ação de danos morais contra João Francisco, mas no início de agosto não compareceu à audiência judicial.

PRESSÃO

A convocação de João Francisco para falar à CPI, iniciativa do senador Romeu Tuma (PFL-SP), quase vira pizza. O governo não mediu esforços, nos últimos dias, para tentar barrar o depoimento dele. "Adia esse negócio, Efraim", sugeriu um senador do PMDB, peça da base aliada. Efraim Morais (PFL-PB), presidente da CPI, rejeitou de pronto. "Tuma, retire esse requerimento", recomendou outro senador, este do PT. "Você vai cobrir de suspeitas um inocente", insistiu, referindo-se a Gilberto Carvalho. Não adiantou, a chamada do irmão do prefeito morto foi mantida.

"A pressão do governo é terrível", desabafou Romeu Tuma, ontem à tarde. Ele está convencido de que o esquema de propinas em Santo André serviu de laboratório para o mensalão, por isso requereu aos promotores que apuram o caso que enviem à CPI cópias de documentos que indicam violação à Lei de Licitações e pagamento de comissões para caixinha de campanhas do PT.

A família Daniel tem mágoas do PT, e também de Lula. O partido e o presidente teriam agido com descaso na apuração sobre a morte do prefeito que, dias antes de ser eliminado, havia sido escalado pelos cardeais da agremiação para coordenar a campanha de Lula à Presidência.

Segundo o Ministério Público, Celso Daniel foi assassinado porque decidiu dar um basta na ação de uma "organização criminosa estável" que tomou conta de setores da administração municipal, principalmente na área de contratações do lixo e transporte coletivo. Os promotores não aceitam a tese da polícia, segundo a qual a morte do prefeito foi "crime comum". "Foi crime de mando", sustentam os promotores. Na semana passada, o governo Geraldo Alckmin (PSDB) mandou reabrir as investigações policiais.

Quando sua convocação foi anunciada, João Francisco avisou: "Tudo o que nossa família deseja é o completo esclarecimento do caso, não vamos descansar." Ele está disposto até mesmo a fazer acareação com Gilberto Carvalho.