Título: Rumor de atentado causa pânico e mais de mil xiitas morrem em Bagdá
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Fonte: O Estado de São Paulo, 01/09/2005, Internacional, p. A17

Rumores de que um homem-bomba se detonaria em meio a uma multidão de peregrinos provocaram ontem uma explosão de pânico e a morte de pelo menos 1.030 pessoas, na maioria mulheres e crianças, numa celebração xiita em Bagdá. A cifra de mortos - pisoteados, asfixiados ou afogados - foi divulgada no fim da noite pela TV árabe Al-Jazira, que citou informações do Ministério do Interior do Iraque. Minutos antes da tragédia, rebeldes tinham atacado a multidão de xiitas, com o lançamento de foguetes que causaram a morte de sete peregrinos. A autoria do ataque foi reivindicada pelo grupo do líder terrorista Abu Musab al-Zarqawi.

"Os mujahedin do Exército da Comunidade Vitoriosa bombardearam com granadas de morteiro e dispararam foguetes Katiusha contra o reduto dos infiéis e dos apóstatas rafidha (termo pejorativo utilizado pelos radicais sunitas para designar os xiitas) na região de Al-Kadhimiya, para castigá-los pelos crimes inomináveis cometidos contra os sunitas", declarou o grupo, numa mensagem difundida num site islâmico da internet.

Segundo fontes do governo iraquiano, cerca de 3 milhões de fiéis participavam da peregrinação à mesquita do imã Musa al-Kazem, em Bagdá, terceiro santuário mais sagrado para os xiitas do Iraque. Após os disparos dos foguetes, boatos sobre um atentado suicida iminente deram início à correria, numa ponte sobre o Rio Tigre no bairro de Al-Kadhimiya.

Parte da multidão que atravessava a ponte ficou presa no muro de proteção, que cedeu, provocando a queda de centenas de pessoas no rio. Fontes médicas disseram que muitos dos feridos apresentam lesões extremamente graves e dezenas de pessoas que participavam da peregrinação estavam desaparecidas.

"Centenas de pessoas começaram a correr na ponte e algumas se jogaram no rio", disse um representante do Ministério da Saúde. "Muitos idosos morreram imediatamente e outras centenas de pessoas se afogaram. Muitos corpos ainda estão no rio."

Além dos ataques com foguetes e do pânico na ponte, pelo menos outras 25 pessoas morreram depois de ingerir comida envenenada. Os corpos foram levados para hospitais da região.

O grão-aiatolá Ali al-Sistani, principal líder religioso dos xiitas, denunciou "a agressão no bairro Al-Kadhimiya no dia do aniversário do martírio do imã Al-Kazem". Sistani também instou o governo iraquiano a "assumir suas responsabilidades e revelar as circunstâncias deste terrível acontecimento".

Outros líderes xiitas acusaram o governo de não ter se esforçado para dar proteção aos participantes da peregrinação. O incidente ocorre num momento político delicado do país, no qual xiitas e sunitas - além dos curdos - se digladiam por causa da redação do projeto de Constituição do Iraque. Os sunitas rejeitam o texto da nova Carta, que xiitas e curdos (cujos partidos controlam a Assembléia Nacional) apresentaram para o referendo de ratificação marcado para 15 de outubro.

O primeiro-ministro iraquiano, Ibrahim al-Jaafari, decretou três dias de luto oficial e foi à TV para fazer um pronunciamento no qual enviou condolências aos parentes das vítimas.

Os ministros iraquianos de Defesa, Saadun Al-Dulaimi (um sunita), e do Interior, Bayan Baqer, defenderam-se afirmando que, antes da tragédia na ponte, as forças de segurança evitaram "numerosas" tentativas de atentado contra os peregrinos xiitas. Segundo eles, policiais iraquianos, em cooperação com as forças americanas, mataram vários terroristas que tentaram infiltrar-se na multidão.

"Proteger cerca de 3 milhões de pessoas num ambiente de terrorismo como o que existe hoje no Iraque não é tarefa simples", explicou Baqer.

Minutos antes, o ministro da Saúde, Abdel Mutaleb Ali (xiita), responsabilizara diretamente os dois colegas pela tragédia e exigira publicamente a renúncia deles.

Segundo os ministros, entre os terroristas mortos havia estrangeiros, um deles de nacionalidade afegã, que, segundo Jabr, morreu junto a um grupo de terroristas iraquianos em um enfrentamento com as forças de segurança da região.

"O que houve na ponte não tem nenhuma relação com os problemas étnicos-religiosos do país, como divulgam alguns meios de comunicação", acrescentou Al-Dulaimi, que qualificou a tragédia de "acidental".