Título: Seqüenciado o chimpanzé. Bom para seu parente, o homem
Autor: Herton Escobar
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/09/2005, Vida&, p. A20

Seis milhões de anos de história evolutiva, em 6 bilhões de letrinhas. Cientistas de várias partes do mundo apresentam hoje o seqüenciamento final do genoma do chimpanzé e sua comparação com o genoma humano - cada um composto por 3 bilhões de pares de bases das letras químicas A, T, C e G. É dentro dessas seqüências que eles esperam encontrar as pistas genéticas que procuram para algumas das questões mais básicas sobre a evolução e a complexidade humana, assim como para o tratamento de doenças. As pistas mais importantes estão, principalmente, nas diferenças entre os dois genomas. E elas são maiores do que se pensava: 4 pontos percentuais, no lugar de 1. "Somos definitivamente parecidos, mas não tão parecidos quanto imaginávamos", resume o pesquisador brasileiro Marcelo Nóbrega, especialista em genômica comparativa da Universidade de Chicago. "Isso complica muito as coisas."

A magnitude da publicação, na edição de hoje da revista Nature, é comparável apenas à do primeiro rascunho do genoma humano, quatro anos atrás. O trabalho principal, assinado por 67 pesquisadores do Consórcio de Seqüenciamento e Análise do Chimpanzé, é acompanhado de 11 outros estudos e artigos comparativos.

"O seqüenciamento do genoma do chimpanzé é uma conquista histórica, destinada a abrir caminho para muitas outras descobertas empolgantes e com implicações para a saúde humana", declarou o pesquisador Francis Collins, diretor do Instituto Nacional de Pesquisa do Genoma Humano, nos EUA, que foi um dos coordenadores do projeto. "A comparação do genoma humano com os genomas de outros organismos é uma ferramenta extremamente poderosa para a compreensão da nossa própria biologia."

Para isso, imagine o seguinte: O chimpanzé é o parente mais próximo do homem. Ambos divergiram de um ancestral comum, aproximadamente 6 milhões de anos atrás. De alguma forma, entretanto, o homem evoluiu para se tornar a espécie dominante do planeta, enquanto o chimpanzé permaneceu um primata da floresta. Como isso ocorreu? Claramente, a espécie humana acumulou mutações benéficas no seu genoma, que permitiram ao Homo sapiens desenvolver capacidades complexas de fala, raciocínio e articulação. Falta saber quais foram essas modificações e em que genes elas estão.

E, para isso, um genoma só não basta; é preciso fazer comparações. Segundo o estudo publicado hoje, as seqüências de DNA do homem e do chimpanzé são 96% idênticas, e não 99%, como se pensava. Entre as diferenças, 1% refere-se à variação de bases individuais espalhadas pelo genoma e 3% a inserções e deleções de trechos maiores de DNA, só agora computadas. Três milhões dessas alterações, dizem os cientistas, estão em regiões de genes ou de outras seqüências funcionais do genoma. Apesar de sua alta semelhança genética, apenas 29% das proteínas codificadas pelo genoma são idênticas entre o homem e o chimpanzé - o que poderia explicar, pelo menos em parte, as diferenças entre as espécies.

FRUSTRAÇÃO

A publicação do genoma não fornece respostas imediatamente, mas serve como um mapa para a busca de genes importantes relacionados a doenças e características nas duas espécies. Já foram identificados pelo menos 50 genes que ocorrem nos seres humanos, mas não nos chimpanzés. Nenhum deles, entretanto, relacionado às evoluções mais importantes da raça humana, como o cérebro maior. "Ainda não temos em mãos a resposta para a pergunta mais fundamental: o que nos faz humanos?", reconheceu Robert Waterson, um dos autores do estudo pela Faculdade de Medicina da Universidade de Washington, em Seattle.

Uma revelação um tanto frustrante para os pesquisadores, mas que abre uma série de novas possibilidades. "Talvez as diferenças mais importantes não estejam nas seqüências codificadoras de proteínas, mas nas regiões que fazem a regulação dos genes", avalia o especialista brasileiro Emmanuel Dias Neto, da Universidade de São Paulo (USP).