Título: Mercosul e UE voltam a negociar
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/09/2005, Economia & Negócios, p. B7

Depois de um ano de paralisia, o Brasil e o restante do Mercosul tentam retomar hoje as negociações com a União Européia (UE) para salvar a criação de um acordo comercial entre os dois blocos. Às vésperas do encontro, o Brasil declara que tem condições de melhorar a abertura de seu mercado para os europeus nos setores automotivos e de serviços financeiros. Mas o governo não esconde que desembarca na capital européia com a esperança de receber sinais de que a oferta de liberalização no setor agrícola poderá ser melhorada. Segundo Brasília, somente isso poderia convencer setores industriais domésticos que ainda estão reticentes a aceitar um acordo. A partir de hoje, técnicos dos dois lados do Atlântico vão tentar aproximar suas avaliações de como deve ocorrer o relançamento do processo. Amanhã, será a vez de os ministros do Mercosul e os comissários da UE sentarem à mesa para definir politicamente qual será a estratégia da retomada. Os ministros de Relações Exteriores, Celso Amorim, e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan, representarão o Brasil.

A negociação havia sido interrompida em outubro de 2004, quando europeus e o Mercosul não conseguiram chegar a um acordo. Desde então, os dois blocos não conseguiram chegar sequer a um entendimento sobre qual deveria ser a metodologia adotada para negociar. "A reunião desta semana será estratégica", afirma o gabinete da comissária de Relações Exteriores da UE, Benita Ferrero.

Mas a preocupação dos negociadores brasileiros é de que, sem uma indicação de concessão européia na abertura de seu mercado agrícola, dificilmente os governos do Mercosul conseguirão superar as resistências internas no setor industrial e vender o acordo. Para o governo, uma sinalização de flexibilidade da Europa seria um "incentivo" para que os setores que serão afetados por uma maior concorrência européia possam ver que o acordo trará ganhos, ainda que indiretos.

No caso da Argentina, a oposição ao acordo é bem mais pronunciada e o próprio governo já dá declarações nesse sentido. Por estar se recuperando da crise financeira que afetou há dois anos o país, os argentinos não estão dispostos a promover novas liberalizações sem contrapartidas claras para a economia nacional.

Oficialmente, o discurso do Brasil é bem diferente. "Não estamos tão longe de uma conclusão das negociações", afirmou o embaixador Régis Arslanian, que chefia a delegação técnica do Brasil. Ele garante que não há dúvidas sobre a disposição do governo em negociar com a Europa, mas funcionários do Itamarati admitem que até agora não viram sinais de que Bruxelas esteja preparada para fazer concessões.

DISCUSSÕES

Se do lado do Mercosul ainda se debate como o bloco deve se comportar na negociações, do lado europeu a discussão também existe. Ontem, o comissário de Comércio da UE, Peter Mandelson, e a comissária de Agricultura da Europa, Marianne Fischer-Boel, se reuniram para debater qual será a estratégia européia com o Mercosul. Já Benita Ferrero, com um tom mais político, insiste em fechar o acordo em maio, durante a cúpula Europa-América Latina. Muitos em Bruxelas são contrários a essa data, e o próprio Mercosul nunca deu uma resposta à idéia. No gabinete de Mandelson, os negociadores são cautelosos e afirmam que o encontro desta semana servirá apenas para ver em que ponto está o processo. Já os assessores de Fischer-Boel insistem que o principal ponto nesse momento é "montar um calendário para as negociações".

Segundo os negociadores europeus e do Mercosul, a reunião dificilmente verá uma troca de ofertas com setores que seriam liberalizados. Mesmo assim, Arslanian afirma que o Mercosul está pronto para recomeçar a negociar. "Não estaremos reiniciando o processo do zero", disse. "O Mercosul tem espaço para mostrar movimentos, incluindo setores como serviços e automotivos, que tanto interessam aos europeus."

O que permite uma nova oferta automotiva é o fato de o setor privado no Brasil e na Argentina terem chegado a um acordo sobre o volume de cotas que será oferecido aos europeus. "Isso é muito positivo, pois no passado havia divergências entre os produtores brasileiros e argentinos. Agora, o trabalho dos governos será facilitado e permitirá que os países tomem uma posição nas negociações", afirmou Arslanian.

Ele não garante, porém, que a nova proposta seja apresentada aos europeus nos próximos dias: "Vamos ver o que vai ocorrer".

Em São Paulo, a Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotivos (Anfavea) afirmou que não sabia se a proposta do setor seria entregue pelo Mercosul à Europa. A Anfavea, ainda assim, enviou seus principais dirigentes a Bruxelas para monitorar os passos do governo. No Brasil, representantes do setor privado não escondiam que a negociação com a Europa chegou a um ponto decisivo.