Título: Outras possibilidades para a Amazônia
Autor: Washington Novaes
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/09/2005, Espaço Aberto, p. A2

Na semana passada, o Ministério do Meio Ambiente divulgou estimativas sobre o desmatamento na Amazônia que indicariam a redução de um terço na perda florestal, comparada com a do período anterior. A avaliação provocou polêmicas com algumas instituições. Argumentaram elas que o desmatamento seria, na verdade, um pouco maior que o revelado e que a causa principal da redução teria sido a interrupção no avanço da agropecuária na região (por causa dos baixos preços da soja e da carne), e não planos de combate ao desmatamento.

Dada a relevância do tema, vale a pena prestar um pouco mais de atenção ao Dossiê Amazônia Brasileira II, que a revista Estudos Avançados (USP) publica em seu número 54 (parte dele já comentada aqui, na semana passada). Será a concessão de florestas públicas o melhor caminho para conter o desmatamento e chegar ao "desenvolvimento sustentável" na região? A julgar pelo estudo Amazônia Socioambiental - Sustentabilidade Ecológica e Diversidade Social, contido na revista, não é. Para os autores, professores Deborah Lima e Jorge Pozzobon - ela, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); ele (já falecido), do Museu Paraense Emílio Goeldi -, a mais alta sustentabilidade ecológica naquele bioma é praticada pelos povos indígenas que só têm relações de comércio esporádicas com a sociedade externa a suas áreas. É "baixa" a sustentabilidade dos "grandes projetos", entre os quais - pode-se deduzir - se enquadrariam as concessões de florestas públicas (13 milhões de hectares).

Já os Cenários de Desmatamento para a Amazônia, de Britaldo Soares Filho (do Centro de Sensoriamento Remoto da UFMG) e vários outros cientistas, prevêem oito possibilidades para o desmatamento no bioma - que vão do "cenário otimista" nos próximos 50 anos, com o desmatamento não ultrapassando 50% da cobertura florestal, ao cenário "o mesmo de sempre", em que a perda seria de até 85%, com as próprias áreas protegidas perdendo 40% da cobertura por falta de fiscalização. Neste último cenário, "o mesmo de sempre", o índice anual de desmatamento passaria dos 23 mil a 28 mil km² de 2003/2004 para 40 mil a 48 mil até 2030. Só a pavimentação de rodovias responderia pelo estímulo ao desmatamento entre 250 mil e 680 mil km² no seu entorno. As emissões de dióxido de carbono por causa do desmatamento equivaleriam, no cenário "o mesmo de sempre", às emissões totais do mundo durante mais de quatro anos. "É preciso valorizar a floresta em pé", dizem os autores, na mesma direção das propostas da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), já comentadas aqui.

As Estratégias para Evitar a Perda da Biodiversidade na Amazônia, dos cientistas Ima Célia G. Vieira (Museu Goeldi), José Maria Cardoso da Silva (Conservação Internacional-Brasil) e Peter Mann de Toledo (também do Museu Goeldi), tentam calcular quanto se perde a cada quilômetro quadrado de floresta removida. Eles lembram que em um hectare de bioma podem ser encontradas de 400 a 750 árvores com diâmetro maior que 10 centímetros à altura do peito do observador; por isso, em um quilômetro quadrado (100 hectares) podem estar de 40 mil a 55 mil árvores; multiplicando a área desmatada em 2003/2004 por esses valores, chega-se a um número entre 1.175.850 e 1.437.150 de árvores. Os espécimes com mais de 10 centímetros somariam, um ao lado do outro, entre 117 mil e 143 mil quilômetros de extensão, pelo menos três vezes a circunferência da Terra. Em um ano.

Alfredo K. Honama, da Embrapa Amazônia Oriental, acha chegado o momento de mudar o discurso do desenvolvimento sustentável na Amazônia. E propõe uma estratégia para "aproveitar os benefícios da destruição". Mas isso só será possível com "desenvolvimento sem crescimento", toda a estratégia voltada para a utilização de mais de 670 mil km² já desmatados (três Estados do Pará, ou a área dos territórios do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná somados, mais que os 57 milhões de hectares hoje cultivados no País). Em todo esse espaço, as possibilidades seriam muitas, desde uma agricultura de alta tecnologia em lotes de 50 a 100 hectares às culturas de biomassas, produção de cavacos para exportação, borracha natural (o Brasil importa hoje 64% do que consome), amêndoa de cacau (importamos US$ 116 milhões por ano), reflorestamento de madeiras nobres, madeira para compensados, celulose e energia, além de carvão vegetal. Além disso, pensa o autor, seria preciso quadruplicar o investimento em ciência e tecnologia na área, em dez anos - "uma quinta revolução tecnológica que dê conta da Amazônia, visando ao domínio de sua biodiversidade e à descoberta de novas alternativas econômicas". E o País poderia até reivindicar compensações internacionais pela redução do desmatamento e da emissão de gases do efeito estufa.

O problema crucial para a questão do desmatamento é que o custo de ocupação de áreas já desmatadas inviabilizaria esse caminho "se não se conseguir a abertura de novas áreas", diz Honama. Porque custa entre R$ 700 e R$ 750 por hectare (aração, gradeamento, correção de solos, reposição de nutrientes) ocupar uma área desmatada, enquanto custa de R$ 200 e R$ 300 por hectare desmatar e ocupar uma área nova.

É preciso, portanto, ter estratégias adequadas. E vontade política. Mas seria indispensável, para discuti-las, que se retirasse a urgência (45 dias) com que o Senado deve votar, a pedido do governo, o projeto de concessão. O senador Mozarildo Cavalcanti já está pedindo isso, que foi sugerido também na semana passada por uma proposta aprovada em Salvador, na discussão sobre o Plano de Ação para a Política Nacional de Biodiversidade.