Título: Não se sabe se menino tem consciência
Autor: Valdir Sanches
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/09/2005, Vida&, p. A20

No atual estágio de sua doença degenerativa, J. pode ou não ter consciência do que ocorre ao seu redor. Como não foram feitos exames neurológicos minuciosos para detectar quanto as áreas de seu cérebro foram afetadas, não é possível dizer se a parte responsável pela cognição, ou seja, pela percepção e compreensão, está total ou parcialmente danificada, segundo o diretor clínico do hospital e chefe do centro de terapia intensiva, Luís Fernando Peixe. "Não sabemos ainda se isso foi afetado ou não. Pode ser que ele tenha algum senso de percepção. Ele está com uma função cerebral mínima." Sabe-se que J. está num estado semivegetativo e tem movimentos involuntários de braços e pernas, como um reflexo do organismo. Ele precisa de um aparelho para respirar - consegue respirar sozinho apenas por algumas horas - e é alimentado por uma sonda. Perdeu a visão, a fala e a capacidade de se movimentar. O único remédio que recebe é para evitar convulsões. "A doença lesou áreas importantes do sistema nervoso central e está estagnada por enquanto. Ela pode tanto progredir mais rapidamente quanto ficar assim por anos", explica.

A enfermidade em questão é uma doença mitocondrial, uma das chamadas síndromes de erro inato do metabolismo, que faz as células se deteriorar - sem chance de reversão e cura.

Essas doenças são raras e ocorrem por problemas hereditários, quando um gene não consegue produzir determinada enzima (proteína que acelera uma reação química). Como reações químicas importantes para o organismo não ocorrem, substâncias nocivas se acumulam no cérebro e o danificam.

"Sendo a parte cognitiva afetada ou não, a tendência é que haja uma piora progressiva na saúde. O paciente vai morrer antes do tempo, principalmente porque os instrumentos do sistema nervoso que comandam a respiração acabam afetados", explica Luiz Celso Villanova, responsável pelo Setor de Neurologia Infantil da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Para Fernando Kok, neurologista infantil do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, o fato de a doença ser incurável deveria levar os pais a considerar a possibilidade de, quando possível, tirar J. do hospital. "Como não existe cura, não adianta usar todos os recursos da medicina. A melhor decisão pode ser levá-lo para casa. No convívio familiar, com todos os cuidados, ele ganha qualidade de vida", diz.

É justamente a posição defendida pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo, que tem um comitê de bioética para a discussão de temas como esse. "O que a gente tem discutido é a posição ética em relação a essas questões, para estarmos preparados para quando existir um amparo legal, o que não ocorre hoje", explica o presidente do conselho, Isac Jorge Filho. "De um modo geral, para doenças degenerativas irreversíveis, em que não há nada a fazer, acreditamos que no plano ético não há sentido fazer o tratamento fútil. Devem-se manter os cuidados paliativos, combater a dor e deixar a pessoa morrer naturalmente. Seria a ortotanásia", afirma.