Título: Bolton tenta mudar reforma da ONU
Autor: Colum Lynch
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/09/2005, Internacional, p. A19

John Bolton, o embaixador dos EUA nas Nações Unidas, expressou sua firme oposição a medidas de reorganização da ONU que o governo Bush teme que inibiriam a autoridade dos EUA para usar a força e imporiam novas obrigações legais sobre países para intervirem em lugares onde estavam sendo cometidos genocídios, limpeza étnica ou crimes de guerra. Bolton delineou suas posições numa série de cartas a delegados da ONU que estão participando de negociações para fazer a minuta de uma declaração de 39 páginas que deve ser lida na reunião de cúpula sobre desenvolvimento e reforma da ONU que começa no dia 14. As seis cartas, que buscam esclarecer as emendas à minuta propostas pelos EUA, constituem o retrato mais detalhado do pensamento de Bolton sobre uma série de questões desde que se tornou embaixador, incluindo a luta contra a pobreza e o terrorismo, a promoção dos direitos humanos e a dinamização da burocracia da ONU.

Juntas, as cartas refletem a oposição de longa data de Bolton a acordos internacionais que considera incursões dentro da soberania dos EUA e oferecem um vislumbre de como ele está atuando para influenciar um longo processo de negociação interna que tem sido dominado por profissionais de política externa do Departamento de Estado.

Bolton argumenta que o Conselho de Segurança já tem suficiente autoridade jurídica para enviar soldados ao exterior para impedir atrocidades em lugares como a região sudanesa de Darfur. Insiste que a carta régia da ONU "nunca foi interpretada como criando uma obrigação legal dos membros do Conselho de Segurança de apoiarem uma ação". Também pressiona para que seja retirado o trecho que convoca as nações a impedirem o "incitamento" de atrocidades em massa, dizendo que isso conflita com o direito à liberdade de expressão contido na Constituição dos EUA.

Bolton escreveu que os EUA "estão prontos" a intervirem em casos escolhidos onde os governos não agem para impedir a mortandade em massa em seus territórios. Mas disse que os líderes mundiais não devem excluir a opção militar por parte dos EUA e outros governos "na falta de autorização do Conselho de Segurança".

A doutrina de intervenção humanitária da ONU, conhecida como "responsabilidade para proteger", tem sido promovida pelo secretário-geral Kofi Annan, governos europeus e defensores dos direitos humanos, que vêm pressionando membros da ONU a aceitarem maior responsabilidade pela intervenção em países onde estão sendo cometidas atrocidades. Eles também vêm pressionando para assegurar um papel mais central do Conselho de Segurança na autorização de ação militar, posição à qual o governo Bush tem se oposto tenazmente. Bolton também pressiona por alterações no documento da ONU para garantir que as forças dos EUA e Israel não sejam passíveis de acusações de terrorismo se matarem ou ferirem civis durante operações militares.

Bolton escreveu que o "alcance" da cláusula sobre terrorismo deve ser restrita a "atos terroristas" e não a "atividades militares que, apropriadamente, são regidas pela lei humanitária internacional". Os governos árabes insistem há anos que o Exército israelense tem se engajado em "terrorismo estatal" contra civis palestinos.

Bolton insiste com os membros da ONU para que apresentem uma forte declaração condenando o terrorismo, mas que protelem quaisquer discussões sobre uma definição de terrorismo para a Assembléia Geral, que está negociando uma convenção sobre terrorismo. Os EUA argumentam que a convenção deve excluir quaisquer atos das Forças Armadas durante um conflito.

Bolton procurou se contrapor às críticas de que o governo Bush apresentou centenas de propostas de emendas ao documento da ONU na última hora para atrapalhar as negociações. E mostrou a jornalistas cópias de emendas detalhadas dos EUA de 25 de junho, dizendo estar confiante que será alcançado um acordo antes que os 170 líderes mundiais cheguem a Nova York, em duas semanas. "Não fizemos nada de última hora", disse Bolton, que assumiu o cargo em 1.º de agosto.