Título: Mesmo com queda de preço, produção de algodão é mantida
Autor: João Baumer
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/09/2005, Economia & Negócios, p. B16

A crise que o setor de algodão enfrenta este ano não deve produzir impacto importante sobre a produção da próxima safra. O produto está com preços achatados tanto no mercado interno como no exterior, por causa do excesso de oferta. No Brasil, o câmbio desfavorável à exportação complica ainda mais o fechamento das contas da lavoura. Os preços no mercado físico brasileiro atualmente são inferiores ao valor mínimo oficial teoricamente garantido pelo governo (R$ 44,60 por arroba) em mais de 20%. Os programas de apoio à comercialização lançados pelo governo federal para minimizar o prejuízo da lavoura não surtiram o efeito esperado, e a pressão da oferta de algodão do cerrado continua deprimindo as cotações.

Parte dos cerca de 1,5 mil participantes do V Congresso Brasileiro de Algodão reunidos esta semana em Salvador admite redução na área plantada em 2005/06, enquanto outra parcela de produtores e operadores de mercado aposta na manutenção da área cultivada. O presidente do congresso e vice-presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), João Carlos Jacobsen, admite esperar uma redução de área de até 10% no País na nova safra, embora na Bahia o plantio deva aumentar.

"O produtor não tem recursos com a crise da comercialização deste ano, tem dificuldade de acesso a crédito, e mesmo que mantenha a área plantada, tende a reduzir o uso de tecnologia", disse. O crescimento de área na Bahia decorre da alta qualidade do produto, que é cultivado com irrigação suplementar e tem grande aceitação do mercado externo. Mais da metade da nova colheita baiana já foi comercializada antecipadamente, daí a segurança do produtor para o plantio.

O presidente da Associação Baiana de Produtores de Algodão (Abapa), Walter Horita, diz que os elevados investimentos feitos no cerrado para o plantio e beneficiamento do algodão impede uma redução importante de área. "A amortização dos investimentos só ocorrerá no médio e longo prazos, e nenhum produto é capaz de pagar os investimentos feitos para o algodão, só o próprio algodão", explicou. Para Andrew Macdonald, presidente da Associação Brasileira do Algodão (Abralg) e consultor da Santista Têxtil, os produtores de Mato Grosso também não devem reduzir o plantio em níveis importantes, porque a estrutura de produção e beneficiamento montada no maior estado produtor brasileiro não pode ficar parada.

Há previsões de preços melhores para o algodão no ano que vem, considerando a estimativa de duplicação das importações chinesas a 2,8 milhões de toneladas feita pelo Comitê Consultivo Internacional do Algodão (ICAC, International Cotton Advisory Committee). Macdonald é cauteloso em relação a estas previsões e afirma que o fenômeno China é exagerado.

"A China tem limitações que incluem oferta de energia para a indústria, além de operar com matéria-prima consignada. A indústria chinesa também luta para atender as elevadas exigências de qualidade nos produtos têxteis que exporta para os Estados Unidos e União Européia", destacou.

Para Macdonald, britânico naturalizado brasileiro que atua no setor de algodão no País há 35 anos, houve retrocesso este ano em relação à comercialização. "Lutamos muito para reunir a cadeia produtiva em torno de propostas de ações governamentais que beneficiassem a todo o setor. Agora a cadeia se desarticulou e o apoio à comercialização foi dirigido à lavoura. E a própria lavoura não conseguiu uma posição de consenso sobre os programas de PEP (Prêmio de Escoamento de Produto) e Prop (Prêmio de Risco para Contratos Privados de Opção de Venda)", lamentou. Mais que gerar desentendimentos, os programas não atingiram seu objetivo principal de garantir o pagamento do preço mínimo oficial ao produtor.

A verba governamental distribuída por meio dos dois programas, estimada em cerca de R$ 150 milhões, foi utilizada para dirigir o maior volume possível de algodão para a exportação. A indústria doméstica se ressentiu e chegou a manifestar um sentimento de "traição" em relação aos produtores de Mato Grosso especificamente, pois tiveram um papel importante no resgate e desenvolvimento da cotonicultura no Cerrado na década de 90, por meio de financiamentos e compras antecipadas.