Título: Deputado se diz vítima de 'fuzilamento político'
Autor: Sérgio Gobetti
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/09/2005, Nacional, p. A10

O ex-chefe da Casa Civil deputado José Dirceu (PT-SP) acusou ontem a imprensa de querer incriminá-lo sem provas e provocar um "fuzilamento político". Depois de ler o relatório das CPIs dos Correios e do Mensalão, que dedica sete das 61 páginas em um capítulo só para ele -, Dirceu foi taxativo: "Considero isso um prejulgamento." Lembrado pelos repórteres de que o próprio relator, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), admitiu no texto que "o juízo político tem a característica de ser juízo de conveniência e oportunidade", Dirceu demonstrou irritação. "Para cassar um deputado é preciso ter provas, caso contrário será uma violência política", comentou. "Tenho confiança de que os deputados desta Casa farão justiça."

Diante da insistência dos jornalistas sobre a "convicção" do relator, que aponta Dirceu como "criador" do esquema de compra de votos de parlamentares, em troca de apoio no Congresso, o deputado voltou a perder a paciência. "Aqui não há convicção nenhuma, é só um relatório. Quem vai fazer instrução de juízo é o Conselho de Ética. Agora, se vocês entendem que já há decisão, eu quero protestar, denunciar aqui um fuzilamento político, um linchamento, um julgamento sumário", afirmou. Logo em seguida, perguntou: "Quando vai começar o fuzilamento?"

Dirceu já enfrenta um processo no Conselho de Ética, por quebra de decoro, e corre o risco de perder o mandato. "Quero que apresentem uma prova de que eu pratiquei um ato ilícito na Casa Civil e quebrei o decoro parlamentar", repetiu. "Cadê a prova, gente? Eu digo e repito: é preciso que haja direito de defesa e do contraditório."

Em tom irônico, o ex-chefe da Casa Civil disse que o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), hoje seu algoz, acabou advogando a seu favor nos depoimentos. "Ele disse que eu cerceava a volúpia que ele tinha de cooptar determinados cargos", insistiu Dirceu. O deputado afirmou, ainda, não ver fundamento na observação de que tinha responsabilidade nas irregularidades cometidas em empresas estatais, como Correios. "Isso é uma coisa sem pé nem cabeça. Como eu, que era chefe da Casa Civil, poderia ser responsável por pessoas que eram nomeadas pelos presidentes das estatais?", perguntou.

Ex-presidente do PT de 1995 a 2002, Dirceu repetiu que não foi responsável por irregularidades cometidas pelo ex-tesoureiro do partido, Delúbio Soares, que será expulso amanhã das fileiras petistas. Negou, ainda, que tivesse conhecimento dos empréstimos bancários feitos ao PT, com aval do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza. "Eu era chefe da Casa Civil: não era tesoureiro do PT", argumentou. "Como o chefe da Casa Civil poderia administrar o PT?"

Questionado se ainda contava com apoio do PT, Dirceu voltou a dizer que sabe se defender sozinho. "Eu não preciso de desagravo", garantiu. E o presidente Lula?, perguntaram os repórteres. "O presidente Lula tem de governar o Brasil", respondeu.

Depois de reunir-se, à noite, com deputados do PT também citados no relatório, Dirceu disse ter identificado algumas "imprecisões" no texto. Comentou, por exemplo, que a citação de Roberto Marques é incorreta porque ele "não fez nenhum saque". O ex-chefe da Casa Civil negou que tenha usado sua influência para favorecer sua ex-mulher Maria Ângela Saragoça, que trabalha no BMG, banco que emprestou dinheiro para o PT. Maria Ângela também recebeu ajuda de Valério para obter, no Banco Rural, empréstimo de R$ 42 mil para comprar um apartamento.