Título: Lula diz que BNDES faz pela região o que Bolívar fazia com a espada
Autor: Denise Chrispim Marin e Leonencio Nossa
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/09/2005, Nacional, p. A11

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu ontem os esforços de integração física da América do Sul financiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), comparando-os à tentativa do general Simón Bolívar de unificar os países da região no século 19. "Estamos tentando conduzir, através de uma política de financiamento do BNDES, aquilo que Bolívar tentou fazer com a espada e outros pela luta", afirmou, ao discursar na cerimônia de formatura da nova turma de diplomatas, no Itamaraty. "Muitas vezes o financiamento é criticado no Brasil", disse o presidente. "Não estamos só financiando, mas exportando serviços. O Brasil só tem a ganhar com isso." Na semana que vem, Lula irá a Puerto Maldonado, no Peru, onde vai lançar a pedra fundamental para construção da rodovia que permitirá a ligação do Brasil ao Pacífico, obra financiada pelo BNDES. Bolívar - libertador da Venezuela, da Colômbia, do Peru, do Equador e da Bolívia - é a principal inspiração do presidente venezuelano, Hugo Chávez. No discurso de ontem, Lula festejou o fato de muitos presidentes de esquerda terem sido eleitos na América do Sul nos últimos anos. "Para nossa felicidade, muitos militantes de esquerda na década de 80 estão se transformando em governo." Lula receitou regras de conduta em negociações internacionais e retomou a retórica contra a suposta submissão do Brasil a grandes potências em governos anteriores. "Esse projeto (de política externa) não pertence a um partido ou a um grupo. Não se subordina a engajamentos ideológicos e menos ainda se alimenta de pretensões de liderança regional", afirmou, em trecho lido de seu discurso. "Não podemos nos acomodar à inércia e à inação. Menos ainda à submissão, pregada em nome de um discutível realismo." ONU Noutra parte lida, Lula destacou a necessidade de reforma do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), com a incorporação de novos membros permanentes provenientes do mundo em desenvolvimento. Mas omitiu a maior ambição de sua política externa: a conquista para o Brasil justamente de um assento permanente nesse grupo, a principal instância de poder internacional. Também afinou as pretensões de liderança ao insistir que o objetivo não é ter hegemonia, mas realizar parcerias na região. "Ninguém é líder porque pede para ser líder e porque tem mais dinheiro. Ninguém é líder porque fala mais grosso ou mais fino. Os líderes surgem quando liderados o escolhem como líder", declarou. O presidente argumentou que sua política externa tem uma "dimensão utópica, sem deixar de ser pragmática", atingiu um "novo nível de maturidade" e rejeita uma ordem internacional injusta. "O Brasil está no caminho certo." Especificamente, elogiou várias iniciativas. Entre elas, destacou a presença do Brasil na Missão de Estabilização da ONU no Haiti, a "não-intervenção sem arrogância nem indiferença" nas crises de países vizinhos e a criação do G-20 (o grupo de nações em desenvolvimento que atua nas negociações da Organização Mundial do Comércio para acabar com subsídios agrícolas e abrir os mercados do setor). Assinalou ainda a cooperação Sul-Sul, o coração da atuação de seu governo na área externa, que envolveu o aprofundamento das relações com os países da África e a realização da reunião de cúpula da América do Sul e dos Países Árabes, em maio passado. Completou com uma iniciativa nova - a de realização de reunião de cúpula da América do Sul e da África, provavelmente em 2006. No improviso, o presidente retomou bordões e falou como um conselheiro aos jovens diplomatas. "O Brasil precisa parar de se achar pequeno. O Brasil precisava parar de se achar um país de Terceiro Mundo, coitadinho, que dependia muito de suas relações com os Estados Unidos, que dependia muito de sua relação com a Europa, que dependia muito se podia fazer ou não podia fazer porque os ricos não gostariam." "Nós partimos do princípio de que respeito é bom, nós gostamos de dar e de receber. Nós provamos que o Brasil pode ser tão respeitado na sua relação internacional quanto qualquer país do mundo." Mas com a ressalva de que o País continuará a tratar com "cuidado suas relações com os EUA e a União Européia", Lula se baseou em seu passado de sindicalista para aconselhar os diplomatas a não "baixarem a cabeça em nenhuma negociação" e a "tirarem da cabeça a subordinação e o preconceito". Por fim, defendeu os gastos públicos com a instalação de embaixadas em países menos desenvolvidos, sob o pretexto de que, em todos eles, os Estados Unidos já fincaram sua bandeira.