Título: Morte por arma de fogo cai 8,2%
Autor: Lígia Formenti
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/09/2005, Metrópole, p. C1

Depois de 13 anos de aumento constante, o número de mortes por armas de fogo caiu no País. No ano passado, morreram 36.091 pessoas - 3.234 a menos do que em 2003, o que significa redução de 8,2%. O governo atribuiu a queda à campanha do desarmamento, programa de entrega voluntária de armas iniciado em julho de 2004. Feita pelo Ministério da Saúde, a pesquisa constatou a redução das mortes em 18 Estados. Mato Grosso foi o que apresentou a maior queda: 20,6%, em relação a 2003. Em números absolutos, o maior impacto na estatística foi registrado em São Paulo: 1.960 mortes a menos do que o notificado em 2003.

O secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Jarbas Barbosa, disse que é clara a relação entre a redução das mortes e o desarmamento. "Em locais onde o recolhimento de armas foi mais intenso, observou-se uma redução acentuada do número de mortes."

Os Estados que apresentaram aumento do número de mortes provocadas pelas armas, por sua vez, tiveram baixa adesão à campanha. É o caso, por exemplo, do Rio Grande do Norte, que registrou aumento de 9,2% no número de mortes. O recolhimento de armas no Estado foi baixo - 89,9 unidades por 100 mil habitantes. "Acre, Roraima e Amapá também apresentaram aumento. Mas nesse caso é preciso fazer uma ressalva. Como os números não são altos, qualquer aumento já causa mudança significativa nas estatísticas", disse o secretário.

"É uma alegria ver que uma política bem pensada como esta trouxe como resultado a preservação de milhares de vidas", afirmou o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos.

"É o início da cultura de paz", disse o ministro da Saúde, Saraiva Felipe.

"O que aparece como produto dessa campanha é o que repetimos há muito tempo no Brasil: as medidas de caráter preventivo são mais efetivas e baratas do que as repressivas", afirmou o representante da Unesco no País, Jorge Werthein. Segundo ele, tirar armas de circulação é fundamental no combate à violência, porque mais de 50% dos crimes cometidos com armas de fogo não são planejados - acontecem em situações do cotidiano, discussões banais e conflitos familiares.

"Não dá para ter um análise qualitativa, mas a queda deve ter sido principalmente nesses crimes ocorridos por motivos fúteis, cometidos por 'cidadãos de bem', que o Estatuto do Desarmamento visa coibir diretamente", afirmou o coordenador de Análise e Planejamento da Secretaria de Segurança de São Paulo, Túlio Kahn.

Essa é também a opinião de Thomaz Bastos. "Para combater o crime organizado, para o bandido, a estratégia é outra. Passa, por exemplo, pela repressão da lavagem de dinheiro", disse o ministro.

POLÍCIA

Para o presidente do Instituto Sou da Paz, Denis Mizne, a redução das mortes por armas de fogo foi a melhor notícia do ano. "Começamos a virar o jogo." Segundo ele, além da campanha, foram fundamentais para esse resultado outros itens do Estatuto do Desarmamento - em vigor desde dezembro de 2003 - , como proibir e tornar crime inafiançável o porte de armas. "As outras medidas, como tipificar o crime de tráfico de armas e marcar as munições e armas, devem começar a dar resultado nos próximos anos."

Em São Paulo, o número de mortes já vinha caindo. De 1999 a 2003, chegou a 12%. Werthein, Kahn e Mizne foram unânimes em atribuir isso ao melhor aparelhamento da polícia e a políticas de inclusão social.

Foram recolhidas até agora na campanha de desarmamento 443 mil armas. O ministro da Justiça avalia que, até 23 de outubro, dia do encerramento da campanha e da realização do referendo sobre a proibição ou não da venda de armas de fogo no País, a arrecadação deverá estar próxima de 500 mil.

Para Thomaz Bastos, a crise política, que afeta a credibilidade do Executivo e do Legislativo, não vai contaminar o debate do referendo. "Há duas frentes parlamentares sobre o assunto. Uma contra, outra a favor. O debate já está aí."