Título: Mercosul e UE fixam prioridades
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/09/2005, Economia & Negócios, p. B10

O Mercosul e a União Européia (UE) chegam a um entendimento sobre um calendário para as negociações para a criação de um acordo comercial, processo que estava paralisado há um ano diante de vários impasses. Em um encontro ontem em Bruxelas, ministros dos dois lados do Atlântico ainda acertaram as áreas em que concentrarão suas atenções, entre elas o debate sobre acesso a mercado, a liberalização do setor de serviços e o reconhecimento de que há uma diferença de desenvolvimento entre a Europa e o Mercosul. Já investimentos e compras governamentais ficam de fora, por enquanto. O entendimento, porém, não deixou os exportadores agrícolas do Brasil satisfeitos, mesmo com todas as declarações dos países que estão comprometidos com o avanço do processo. "A reunião pode ter sido importante para relançar o processo, mas estamos andando em círculos, esperávamos avanços concretos, o que não ocorreu", lamentou o chefe do Departamento de Assuntos Internacionais e de Comércio Exterior da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Antônio Donizete Beraldo. "Todo os obstáculos que havia antes ainda estão presentes. O que vimos foi apenas manifestações de intenções."

A agenda de trabalho inclui uma reunião técnica em novembro, outra em fevereiro e mais um encontro ministerial antes de maio de 2006. Para a chanceler do Paraguai, Leila Rashid, e para a comissária de Relações Exteriores da UE, Benita Ferrero Waldner, se tudo correr bem nesse período, poderia-se pensar em fechar um acordo em maio na Cúpula América Latina-Europa, em Viena. O ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, também disse que espera um acordo em 2006.

Mas, na prática, os ministros não fecharam nem um prazo para a conclusão das negociações. O chanceler Celso Amorim afirmou que não poderia garantir que houvesse um acordo antes das conclusões das negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC). "É uma questão que não podemos saber agora." O comissário de Comércio da UE, Peter Mandelson, preferiu dizer só que acordo será fechado o quanto antes, levando em consideração aspectos políticos e técnicos.

O temor por estabelecer mais um prazo para o fim da negociação vem do fato de os negociadores saberem que ainda há problemas, como o protecionismo europeu no setor agrícola. Amorim afirmou que esse seria um "acordo mínimo". Logo depois mudou de opinião. "Esse não é um bom termo. Melhor falar em acordo possível."

Conscientes dos impasses, os blocos optaram por escolher áreas que serão atacadas. Em todas, a prioridade será uma abordagem política, ainda que não tenha sido definida a partir de quais propostas já feitas nos últimos anos o debate será retomado. Em vários momentos em 2004, os blocos apresentaram propostas de liberalização de mercados, mas nunca foram consideradas como suficientes.

A UE falava que deveriam ser consideradas as melhores ofertas escritas já feitas como a nova base. Para o Mercosul, as ofertas informais também deveriam contar.

Seja qual for a nova base, o certo é que o debate se concentrará em primeiro lugar na questão de acesso a mercados, ou seja, cortes de tarifas para a exportação de produtos agrícolas do Mercosul e de industriais da UE. Mas provando que os obstáculos não foram solucionados, a UE deixou claro que não aceitará dar concessões na OMC e depois ter de fazer nova abertura ao Mercosul no setor agrícola. "Temos só um bolso", disse a comissária de Agricultura da UE, Marianne Fischer Boel. "Também só temos um bolso", respondeu Amorim, insinuando que o Brasil também pode usar o argumento de que não aceitará fazer concessões em setores de interesse europeu, como bens industriais e serviços.