Título: Comissão de frente
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/09/2005, Nacional, p. A6

Mandado o acusador ao cadafalso sem dó, os acusados seguirão o mesmo destino Se o deputado Roberto Jefferson, que denunciou o conluio - do qual fez parte - de corrupção entre os Poderes Executivo e Legislativo foi sentenciado com veemência pelo Conselho de Ética, é para não ter dúvidas a respeito do que ocorrerá com as excelências por ele denunciadas.

Como de resto é líquido e certo o resultado das votações de cassações de mandato no plenário da Câmara. Talvez não todos os 18 indicados, um ou outro deve escapar da punição máxima, mas os mais notórios não têm salvação.

Junte-se à premência do Congresso em se reconciliar com a opinião pública a demonstração mais que explícita da participação da maior parte deles no esquema de sustentação financeira montado, segundo relatório da CPI dos Correios, pela Casa Civil, por intermédio do PT, e temos como altamente improvável uma absolvição em massa.

O deputado Roberto Jefferson funciona assim como uma espécie de comissão de frente que abre-alas e permite a passagem dos outros. A justiça não será feita de todo; é evidente que na base de apoio do Planalto há muito mais beneficiários do chamado valerioduto.

Mas, pelo menos por amostragem, pegando os que tiveram o infortúnio de deixar rastros, a punição para servir de exemplo e inibir a prática estará garantida.

As ameaças de Jefferson sobre uma "defesa arrasadora" capaz de alterar o ânimo punitivo dos deputados no plenário soam meramente performáticas.

O mesmo clima ele tentou criar quando de seu depoimento no Conselho de Ética em que, levando consigo as prestações de contas de todos os integrantes do colegiado, distribuiu acusações, insinuações e apontou o fato de serem ali, em termos de financiamentos ilegais de campanha, "todos iguais".

Como atenuante, resultou em zero. Os deputados engoliram a seco o sapo e nem perderam de vista as acusações nem se deixaram encantar ou intimidar pelo acusador. No plenário, com votação secreta e precedência de duas ou três semanas de pressão da opinião pública, por mais razão deverá se confirmar o resultado.

Ainda que faça o tal discurso "arrasador" - improvável, pois o impacto do desempenho teatral de Roberto Jefferson já foi diluído pelo excesso de uso -, ele não terá o poder de inocular desejos suicidas no colegiado. No máximo, aumentará a quantidade de processos no Conselho de Ética.

Argumentos convincentes de defesa, o deputado não tem. Se tivesse, seus advogados não precisariam ter recorrido, no Conselho, à artificialíssima tese do cerceamento do direito de defesa justamente de um acusado que outra coisa não faz há três meses a não ser dispor de todo o espaço para apresentar suas razões.

Não há neste país hoje ninguém mais "defendido" que Roberto Jefferson.

Dos cinco motivos apontados pelo relator Jairo Carneiro para pedir sua cassação, o deputado até poderá se defender de alguns; de todos é impossível.

Aceitável, por exemplo, que ele questione punição por não ter sido comprovada a existência do "mensalão" no modelo denunciado, por ter informado a realização de uma reunião alegadamente inexistente e por ter feito a denúncia não como dever de ofício, "mas para sair do foco das investigações".

Tais argumentos, um tanto inconsistentes, parecem mais terem sido listados para aumentar o rol de motivos apresentados pelo relator.

Mas há outros dois completamente irrespondíveis, pois foram produtos de confissão: o recebimento de dinheiro de caixa 2 para pagar despesas de campanha e o uso de cargos destinados ao PTB nas estatais como instrumentos de arrecadação de fundos para o partido.

Para absolvê-lo, a Câmara teria de concluir que nada disso representa quebra de decoro e, por conseqüência e antecipação, absolver todos os outros 17 acusados, o que equivaleria a uma condenação coletiva dos 513 deputados.

Em suma

Frase do líder do PTB na Câmara, deputado José Múcio, outro dia, numa reunião de líderes, resume a triste ópera das relações entre Congresso e sociedade.

"Se não tomarmos uma providência urgente, na próxima eleição não volta ninguém."

Chapa

O governador do Rio Grande do Sul, Germano Rigotto, parece ter desistido da postulação para ser o candidato do PMDB à Presidência da República em 2006. Também não se anima com a hipótese de concorrer à reeleição.

Pelo menos é o que indicam tratativas recentes entre ele e o tucano José Serra, sobre a possibilidade de o governador vir a ser vice do prefeito na chapa para presidente.

Corrida

Setembro, último mês para a filiação dos candidatos às eleições do próximo ano, assistirá a muitas trocas, entradas e saídas de partidos, sendo os mais prejudicados os governistas, por razões óbvias.

O PMDB agora acredita que vai poder tirar proveito da própria ambigüidade, servindo de porto aos desgarrados que também não queriam ir para legendas tão marcadamente oposicionistas quanto o PSDB e o PFL.