Título: Governo quer atrair estrangeiro rico
Autor: Vannildo Mendes
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/09/2005, Metrópole, p. C1

BRASÍLIA - O governo brasileiro quer estimular um novo ciclo imigratório no País e vai introduzir mudanças significativas no Estatuto da Imigração, em vigor há mais de 50 anos. A nova lei, cuja minuta já está na Casa Civil da Presidência da República para ser enviada ao Congresso Nacional, desburocratiza a concessão de vistos e cria mecanismos para atrair estrangeiros, sobretudo empresários interessados em montar negócios no País, além de aposentados de países cuja população está envelhecida, como os oriundos do Japão e do continente europeu. Mas vai também facilitar a vida de trabalhadores que tentam se estabelecer no Brasil, como médicos cubanos e profissionais do Mercosul e dos demais países de língua portuguesa.

Por causa da burocracia, de mau tratamento e de uma certa xenofobia, sobretudo de corporações profissionais, o Brasil perdeu a sedução que exercia em estrangeiros, a partir da segunda metade do século 20. Foi deixando de ser rota de imigração, que havia sido muito intensa desde o fim do século 19.

Por ocasião da primeira anistia dada pelo governo, em 1988, foram cadastrados 970 mil estrangeiros vivendo no País. Na segunda anistia, em 1998, esse número atingiu a 1,028 milhão. No seu último controle, a Polícia Federal contabilizou apenas 830.037 imigrantes residentes no Brasil. Existem atualmente cerca de 50 mil estrangeiros em situação irregular.

A mudança da legislação se dá também em um contexto em que turistas estrangeiros encontram muita dificuldade de infra-estrutura para recebê-los. Eles apontam problemas que vão da pouca sinalização e dificuldade nos transportes à falta de limpeza e de segurança.

QUALIDADE

A idéia do governo é reduzir a clandestinidade e estimular a imigração legal e de qualidade. Mas, antes de ser enviado ao Congresso, o projeto da nova lei de imigração está sendo submetido a consulta pública, por 30 dias. Ele está disponível desde quinta-feira no site do Ministério da Justiça (www.mj.gov.br).

Elaborado por uma comissão multiministerial, o novo Estatuto do Estrangeiro também incorpora princípios de direitos humanos recomendados pelas Nações Unidas e amplia o direito de cônjuge para parceiros do mesmo sexo.

Todo o primeiro capítulo é voltado para o reconhecimento da imigração como um caso de direitos humanos. A legislação atual vincula a imigração à questão da segurança nacional. Doravante, o imigrante, mesmo ilegal, deverá ser tratado com respeito e cidadania por órgão especializado. Prisão só nos casos de desrespeito às leis. A lei atual dispensa em alguns casos o visto para turismo, mas o exige para negócios. O novo estatuto prevê visto único para turismo e negócios. O prazo de validade, de um ano, subirá para cinco, renováveis.

Ao contrário da lei em vigor, o novo visto permite múltiplas entradas no País e o empresário estrangeiro pode ficar até 180 dias por ano. Hoje o visto é igual ao de turista comum e o prazo de permanência é de apenas 90 dias.

Pela lei atual, é estipulado capital mínimo de US$ 200 mil para que estrangeiros que queiram investir no País possam obter visto. Na nova lei, não há valor estipulado, o que facilita a vida de micro e pequenos empresários interessados em montar uma pousada, um restaurante ou negócios mais modestos. Haverá, porém, uma avaliação do tipo de investimento, o número de empregos que gerará, o impacto social e o local onde será instalado o negócio.

O visto para categorias profissionais será abrandado, com redução das exigência para validação de diploma e obtenção de emprego. Isso vai resolver, por exemplo, situações como a dos médicos cubanos. O novo estatuto também prevê vistos simplificados, podendo até chegar à isenção e outras facilidades, para os mesmos imigrantes oriundos do Mercosul e dos países que integram a comunidade de língua portuguesa, como Portugal, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. A lei atual prevê visto normal para os imigrantes procedentes desses blocos.

EXPERIÊNCIA

O italiano Mauro Mantica, de 44 anos, fez parte da estatística dos estrangeiros em situação irregular no Brasil. Ao saber da possível mudança no Estatuto da Imigração, ele respira aliviado e espera que seus problemas de permanência no País tenham chegado ao fim. "É preciso considerar que estrangeiros geram postos de trabalho e não tiram oportunidades", disse.

Mantica chegou ao Brasil em 1996. A empresa em que trabalhava abriu uma filial no Brasil e ele foi indicado para um cargo de confiança. Os problemas começaram antes mesmo de ele chegar ao País. "Demorei mais ou menos um ano e meio para conseguir entrar no Brasil com visto de trabalho." Segundo o italiano, o mais difícil foi provar ao governo brasileiro que o seu serviço não poderia ser realizado por ninguém do País. "Até poderia existir um brasileiro apto para a minha função, mas a explicação era que o cargo era de confiança."

Depois de anos trabalhando aqui, Mantica pensou que não teria mais problemas com a imigração, mas isso não aconteceu. Em 2002, quando precisou renovar seu visto, todos os antigos problemas voltaram. "Fiquei um ano e meio com visto de turista. A cada três meses, ia à Itália para fazer a renovação do visto." Hoje, trabalhando em uma outra multinacional, ele não teme mais precisar fazer viagens para renovação. "Acho que tenho mais garantias de permanência. Em breve, vou abrir um restaurante de comida brasileira com amigos."