Título: Estudo inédito traça o perfil dos saterés-maués
Autor: Liège Albuquerque
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/09/2005, Vida&, p. A25

MANAUS - Hoje, eles já são mais de 8.500, vivendo numa área de mais de 700 mil quilômetros quadrados no Amazonas - o equivalente a quase três vezes o Estado de São Paulo. A maioria é bem jovem. Só uma pequena parcela, cerca de mil, vive em áreas urbanas ou municípios próximos às aldeias. São os saterés-maués, uma das maiores etnias indígenas do País, que, pela primeira vez, teve seu perfil demográfico traçado. Apenas os tucanos e baniuas já foram alvo de pesquisa semelhante, nos anos 90. O estudo foi feito com patrocínio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e será divulgado a partir do dia 15. Contou com uma equipe de 50 pessoas, incluindo indígenas, coordenados pelo demógrafo da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Pery Teixeira.

Feita em 2002 e 2003, a pesquisa Sateré-Maué, Retrato de um Povo Indígena mostra que, nesses anos, havia 7.502 saterés nas quatro áreas indígenas demarcadas no Amazonas e outros 998 morando em áreas urbanas. "Pela alta taxa de fecundidade observada, certamente esse número já é bem maior", afirma Teixeira. Enquanto a taxa de filhos por mulher é de 2,3 no Brasil, entre os saterés a média é de 8. Do total da população, 51,8% tinham menos de 15 anos.

Os saterés moram em áreas demarcadas e municípios no leste do Amazonas, como Maués, Barreirinha e Parintins, distantes em média 400 quilômetros de Manaus. O pesquisador relata dificuldade nas entrevistas por conta da relação diferente dos indígenas com o tempo. "Para perguntar a uma mãe quando ela teve seu último filho era preciso muita conversa para explicar 12 meses."

Os números revelaram dados curiosos. "Embora haja muita carência em termos de saúde, a maioria procura médicos e enfermeiros em vez do pajé", conta Teixeira. Dos entrevistados, 68% procuravam o agente de saúde, enquanto apenas 2,1% o pajé.

Entre os 2,4% que responderam procurar "outros" métodos para tratar doenças, havia os que buscavam os "puxadores de ossos", uma espécie de ortopedista rústico que literalmente puxa braços e pernas doloridos. Ou, como os indígenas preferem chamar, os "ossos com `desmitidura¿".

A religião declarada é predominantemente católica, cerca de 65%. Para o professor, um detalhe pode explicar isso. Os padres missionários não fazem restrição aos rituais da cultura sateré, como o da tucandeira (espécie de formiga), proibido por alguns tuxauas convertidos à religião evangélica. O ritual marca a passagem do garoto para a vida adulta. As tucandeiras são capturadas e anestesiadas com uma solução de folhas de cajueiro. Depois, são colocadas em luvas, que os jovens usam por 20 festas.

O estudo ainda leva em consideração aspectos econômicos. De tudo o que é plantado nas aldeias, como mandioca e cará, 97% é destinado à subsistência. "Com a escassez do peixe nos rios e da caça nas matas, o indígena está plantando mais", diz Teixeira.

Outro detalhe da pesquisa mostra o grande número de crianças menores de 1 ano sem registro de nascimento. Nas regiões demarcadas, apenas 34% têm certidão, ante 65,4% nas áreas urbanas.