Título: Movimentos sociais mostram desilusão
Autor: Roldão Arruda
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/09/2005, Nacional, p. A7

O isolamento político do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é cada vez mais visível. Antigos e fiéis aliados de organizações de esquerda e de movimentos sociais já não escondem a desilusão com o ex-líder sindical. Uma das figuras mais conhecidas desses movimentos, o economista João Pedro Stédile, dirigente nacional do Movimento dos Sem-Terra (MST), disse em São Paulo, na quinta-feira à noite, que Lula chegou ao poder sem um projeto de governo. "Ele se elegeu pegando votos dos pobres, contra o neoliberalismo, e manteve uma política neoliberal", disse. Stédile falava a uma platéia de estudantes, na Pontifícia Universidade Católica (PUC). Muito aplaudido, não poupou farpas contra o velho aliado instalado no Palácio do Planalto: "O Lula tem a coragem de dizer na TV que essa política econômica é dele. É uma bobagem, porque essa política é a dos banqueiros, do capital financeiro internacional. O Lula não sabe a besteira que está dizendo."

No caso de Stédile, esse tipo de crítica é uma novidade. Até agora, ele tinha espezinhado a política econômica do ministro Antonio Palocci, mas poupado o presidente.

O líder do MST disse que os erros começaram quando o PT trocou a ideologia de esquerda pelo projeto eleitoral e que Lula deve assumir sua responsabilidade: "Não se trata de ver quem traiu quem, porque ninguém está analisando relações afetivas. Estamos falando de luta de classes, de linhas políticas adotadas por organizações, grupos. O PT, a CUT e o movimento sindical adotaram certos métodos de trabalho que desencadearam tudo isso."

Ao apontar erros cometidos pelo PT, Stédile citou a opção pelo marketing eleitoral. Lembrou que o historiador inglês Eric Hobsbawn, em visita ao Brasil, em 2004, se disse espantado com a vitória de um partido de esquerda, num momento de avanço do neoliberalismo no País e sem grandes mobilizações populares. "Respondemos que aqui tinha Duda Mendonça e que não foi o método de esquerda que ganhou a eleição. Foram pessoas de esquerda com métodos de direita."

O mesmo desencanto aflora no clero progressista católico, que sempre apoiou Lula por meio das Comunidades Eclesiais de Base ( CEBs). Em entrevista sobre o Grito dos Excluídos, o bispo d. Pedro Luiz Stringhini afirmou que o mito criado em torno de Lula e a sua eleição contribuíram para a desmobilização de organizações sociais. "Era como se o presidente fosse resolver tudo", explicou o bispo auxiliar da Arquidiocese de São Paulo: "Agora, com a desilusão, é o momento de voltar a fortalecer a mobilização."

Sintomaticamente, o lema da 11.ª edição do Grito dos Excluídos será: Brasil, Em Nossas Mãos a Mudança.

Há cerca de um mês, a Via Campesina vem promovendo reuniões em várias capitais para analisar a crise. Entre seus convidados - sindicalistas, intelectuais, militantes partidários e de movimentos sociais, bispos e padres, todos identificados com idéias de esquerda - Lula não é mais poupado.

Para o frade franciscano Sérgio Görgen, deputado estadual pelo PT gaúcho e assessor da Via, os debates evidenciam que a solução para a crise vai além de Lula. "O sistema político montado pela ditadura apodreceu e está desabando", disse. "Ele tinha uma reserva moral, que sinalizava a possibilidade de alternativa no poder e se chamava Lula. Mas essa alternativa também não funcionou, e agora é preciso radicalizar o esforço pela participação e a mudança desse Estado."

No início da crise, alguns setores dos movimentos sociais achavam que era possível apoiar Lula exigindo em troca mudanças na economia. Hoje o que se observa é uma tendência à indiferença em relação ao governo.