Título: Clientelismo bate à porta de Valério
Autor: Eduardo Kattah
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/09/2005, Nacional, p. A13

BELO HORIZONTE - A súbita e estrondosa exposição do empresário Marcos Valério de Souza na mídia acabou provocando situações inusitadas no seu cotidiano. De personagem obscuro dos meandros da política nacional, o homem identificado como o operador do suposto mensalão no Congresso tornou-se o destinatário de cartas e mensagens com propostas e pedidos de todo tipo. No escritório de advocacia Tolentino & Melo Assessoria Empresarial, na região sul de Belo Horizonte, onde prepara sua defesa das várias acusações e processos nos quais é réu, Marcos Valério e seus assessores mais próximos se surpreendem e até se divertem com o teor das correspondências. Na maior parte das vezes trazem pedidos que são normalmente feitos a políticos.

Em julho, no auge do escândalo, o Movimento dos Sem-Computador Org enviou correspondência do Recife (PE), na qual pedia que `Vossa Excelência¿ Valério doasse computadores, impressoras e scanners, que seriam usados para o "trabalho social" da organização. O mesmo pedido já tinha sido feito em 2003 ao gabinete da Vice-Presidência da República, conforme ofício anexado à carta.

O remetente ataca o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), que apontou Marcos Valério como operador do mensalão. Ao mesmo tempo, qualifica o empresário mineiro como "advogado da paz" e "grande ativista dos direitos humanos".

Recentemente, uma mulher de Cássia, no sul de Minas, enviou uma carta pedindo que o homem do mensalão conseguisse "toda a infra-estrutura" para a criação de um canal de TV espírita. "Todas as demais (religiões) possuem", assinalou. "No início também escreviam pedindo jogos de camisas de futebol, patrocínio para boate, publicação de livros", lembra um dos advogados. Uma mãe-de-santo ofereceu-se, por R$ 6 mil, para tirar o "trabalho" da ex-secretária da SMPB Fernanda Karina Somaggio.

CASAMENTO

Uma admiradora de Camboriú, em Santa Catarina, fez até um pedido de casamento. "Nem foto mandou", observa Valério.

Provavelmente impressionado com a movimentação de dinheiro atribuída ao empresário mineiro, um suposto advogado ofereceu-se para ajudá-lo na negociação do "ativo da dívida interna brasileira".

Também apareceram cartas com ameaças. Uma das maiores surpresas, porém, foi uma correspondência escrita à mão por um presidiário que oferecia segurança para Marcos Valério e sua família.

As cartas inusitadas distraem Marcos Valério, que hoje passa a maior parte do tempo em seu escritório em Belo Horizonte, sempre atento aos noticiários nos sites na internet e ligado na TV a cabo, com quatro telefones celulares à mão. "Todos grampeados", avisa.

Ele mudou o visual nos últimos dias. Deixou a barba crescer e abandonou a careca total. Mas promete voltar ao antigo visual tão logo precise aparecer diante das câmeras.

Lamentando sua situação, mostra a calça larga para dizer que perdeu 10 quilos em três meses. Costuma dizer que sente como se um trator tivesse passado por cima de seu corpo.

Indagado se tem medo de ser condenado e preso, dá de ombros. "A primeira punição já sofri. Fui execrado publicamente e perdi a minha liberdade. Já estou condenado e preso."

Ele não se furta de ataques à antiga cúpula petista - poupando apenas o "amigo" Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT - e ao deputado José Dirceu (PT-SP). Mas argumenta que o partido não pode ser condenado pelo esquema que ajudou a operar. "O PT joga com as armas que os outros sempre jogaram."