Título: País concilia deflação e crescimento
Autor: Márcia De Chiara
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/09/2005, Economia & Negócios, p. B1

Nunca houve tantos indicadores apontando queda de preços por um período tão longo na economia como hoje. A novidade é que a deflação atual vem acompanhada de crescimento, o que ficou nítido no resultado do Produto Interno Bruto (PIB). A economia cresceu 1,4% entre abril e junho, na comparação com o primeiro trimestre, descontados os efeitos típicos do período, depois de dois trimestres consecutivos de desaceleração. "Deflação com crescimento, ainda que modesto, é uma combinação rara na história recente", afirma o sócio da MSConsult Fábio Silveira. Ele ressalta que essa combinação deve garantir o dinamismo da atividade no curto prazo, apesar do juro elevado. Com as cotações das matérias-primas em queda, as empresas reduzem os preços dos bens de consumo e ampliam o mercado. "As companhias já perceberam essa oportunidade, por isso os números do PIB do último trimestre mostram a expansão dos investimentos e as importações de agosto foram recordes."

Normalmente, diz o economista, a deflação é fruto do enfraquecimento do ritmo de atividade, mas o momento atual não confirma essa regra. A valorização do real em relação ao dólar, provocada em parte pelo juro alto, e a queda no mercado externo das commodities que o País exporta, que só em agosto recuaram em dólar 2,1% na comparação com julho, são o pano de fundo da deflação.

"É preciso considerar também que vivemos hoje um momento diferente da economia mundial", pondera Silveira. Com a globalização e abertura dos mercados, houve uma espantosa ampliação da oferta de bens duráveis e semiduráveis no mercado mundial e os preços desses itens recuaram. Com real valorizado, fica barato importar e conter pressões altistas de preços.

Acostumado com a inflação, o consumidor diz que ainda não sentiu no bolso a deflação. O recuo dos preços surpreende até mesmo os técnicos que calculam os índices, os pesquisadores de preços e os donos de supermercados, que mudaram a rotina na hora de negociar as compras com as indústrias. "Não recebemos mais tabelas de preços mensais. Agora, elas são trimestrais e, no lugar de aumentos, temos descontos", diz o presidente da Associação Paulista de Supermercados (Apas), Sussumu Honda.

As indústrias, diz o empresário, passaram a trabalhar com uma visão de longo prazo. "Os fabricantes estão mais interessados em garantir a reposição contínua dos produtos do que em aumentar preços", diz Honda. Nos tempos da inflação alta, a negociação era nervosa, o foco era aumentar preço todo o mês e ampliar volumes ficava para segundo plano.

Para o consumidor e a pesquisadora Kátia Nestlehner, que há 20 anos percorre semanalmente 70 estabelecimentos da capital paulista para apurar o Índice de Preços ao Consumidor da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, preço é fundamental. Ela lembra que o tomate chegou a ser o vilão da inflação. "No último mês o preço caiu pela metade."