Título: O Coaf e a lavagem de dinheiro
Autor: Suely Caldas
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/09/2005, Economia & Negócios, p. B2

De nenhum efeito positivo no setor público, a crise política começou a produzir bons resultados em empresas privadas. Enquanto há muito blablablá e nenhuma ação concreta na direção de uma reforma política, bancos, bingos, loterias, empresas de factoring, fabricantes e comerciantes de jóias, objetos de arte e antiguidades ¿ o mundo por onde costumam transitar operações financeiras suspeitas de lavagem de dinheiro ¿ nunca estiveram tão ativos. Nos últimos dias, entupiram os computadores do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) com informações de operações financeiras acima de R$ 100 mil, e identificando os emitentes que as realizaram. A emergente e agitada movimentação é tanta que, só na quarta-feira passada, o Coaf recebeu nada menos que 7.600 comunicações dessas empresas, das quais quase 5 mil são de factoring, as mais resistentes no cumprimento de determinação legal de informar sobre saques e depósitos acima de R$ 100 mil. Ou seja, em um único dia o Coaf recebeu mais comunicações do que as 6.020 recebidas durante todo o ano de 2002. ¿Deixaram até de aplicar o habitual crivo do `conheça seu cliente¿ e estão enviando simplesmente todos os registros¿, espanta-se a deputada juíza Denise Frossard (PPS-RJ), uma obcecada com qualificação e eficiência de instituições e métodos que detectam operações de lavagem de dinheiro. Integrante da CPI dos Correios, Denise Frossard decidiu empenhar-se na construção de uma nova estrutura que tire o Coaf da letargia, torne-o mais leve e ágil para cumprir a missão de descobrir e dar seguimento a investigações de transações suspeitas. Ao longo de mais de dois anos e de quase uma centena de milionários saques em dinheiro realizados pelas empresas do publicitário Marcos Valério, o Coaf não cumpriu sua obrigação legal de deles suspeitar. O que levou a deputada ao Ministério da Fazenda e ao ministro da Justiça, Márcio Thomas Bastos, para cobrar explicações sobre tal omissão. Desde então Denise Frossard trabalha para propor um novo modelo de atuação para esse conselho.

Subordinado ao Ministério da Fazenda, o Coaf foi criado em 1998, mas só em 2003 passou a receber do Banco Central informações sobre transações financeiras acima de R$ 100 mil. As que são suspeitas de crime de lavagem são encaminhadas ao Ministério Público e à Polícia Federal para investigação. Negócios do narcotráfico, contrabando e inúmeras outras atividades criminosas transitam por operações de lavagem de dinheiro que, detectadas, permitem combater, identificar e prender os criminosos. A importância do papel do Coaf pode ser avaliada em dados presentes em trabalho acadêmico do funcionário do Banco Central Gerson Romantini e citado em recente relatório do Tribunal de Contas da União (TCU): 66% de capitais brasileiros enviados para fora do Brasil estão concentrados em ¿paraísos fiscais¿, de onde vêm também 17% dos investimentos estrangeiros internados no País. ¿Esta é uma parte do tamanho do problema da lavagem no Brasil¿, alerta o TCU.

O TCU condena a vasta composição do Coaf, representado por nove órgãos do governo, abrindo espaço para a politização e vazamento das informações sigilosas ali tratadas, em prejuízo das investigações. Nessa mesma linha, Denise Frossard adverte para outro aspecto relevante: o Coaf abriga em seus quadros funcionários DAS, de indicação política, quase sempre a serviço do padrinho ou do partido que os indicou. ¿Isso é muito grave, estou investigando e tem que mudar porque permite a perniciosa contaminação política. Tem que ser funcionário de carreira, porque é função de Estado, não de governo¿, critica.

A deputada fez algumas visitas ao Coaf e a última foi na quarta-feira, acompanhada do presidente da CPI dos Bingos, o senador Garibaldi Alves Filho, para solicitar informações para as duas CPIs. Ela identificou problemas, alguns estruturais, que atrapalham a agilidade e o funcionamento eficaz do conselho. O maior deles é a passividade: ¿Eles esperam que tudo chegue às mãos, não provocam, não operam ativamente e agem dentro dos limites da burocracia.¿ Desconhecido, o Coaf realizou vários seminários em bancos para explicar sua missão. Um deles, em 2001, ocorreu na sede do Banco Rural, por onde, dois anos depois, transitaram milhões de reais de propinas pagos a deputados. Certamente foi aí que os dirigentes do Rural aprenderam tudo ou não aprenderam nada. ¿A CPI pode ir para o lado que quiser, mas farei meu relatório com proposta de renovar totalmente esse Coaf¿, promete a deputada.