Título: Congresso irresponsável
Autor: Mailson da Nóbrega
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/09/2005, Economia & Negócios, p. B4

Quem conhece o mínimo da história do Congresso não se surpreendeu com a derrubada do veto presidencial à concessão de aumento salarial a seus servidores. Foram raros, se é que existiram, os momentos em que nossos parlamentares primaram pela austeridade na utilização dos recursos extraídos dos contribuintes. Nada no Brasil se compara à lei Gramm-Rudman-Hollings de 1985, que tornou obrigatório o equilíbrio orçamentário nos EUA. A lei leva o nome dos três congressistas que contribuíram para eliminar os déficits fiscais do governo Reagan. Aqui, é o contrário. Cabe ao Poder Executivo evitar que o déficit aumente pela ação do Congresso. O Congresso americano aprovou em 2002 a lei Sarbane-Oxley, em resposta aos escândalos que envolveram a Enron, a WorldCom e outras empresas. A legislação antitruste nasceu de projetos de congressistas. No Brasil, iniciativas desse tipo se contam aos dedos, como as leis de autoria de Afonso Arinos (contra a discriminação racial) e Nelson Carneiro (divórcio).

Com exceções honrosas, os parlamentares brasileiros cuidam mesmo é de aumentar gastos ou reduzir o impacto de reformas fiscais. Os exemplos abundam: as emendas ao Orçamento, a concessão de benefícios a idosos, as propostas de elevação inconseqüente do salário mínimo, etc. As reformas mudam para pior, como se viu nas emendas constitucionais sobre a previdência, propostas por FHC e Lula. O auge dessa crônica irresponsabilidade foi a Constituição, que criou benefícios moralmente duvidosos para grupos do funcionalismo e gastos previdenciários insustentáveis. O Orçamento adquiriu rigidez grave, sem paralelo no mundo. Na festa cívica de 1988, ao canto do hino nacional a cada grande desatino fiscal, a Assembléia Nacional Constituinte reduzia as chances de crescimento do País por pelo menos duas gerações. A elevação da carga tributária e o do endividamento são exemplos dessa triste realidade.

Infelizmente, há incentivos à irresponsabilidade fiscal. O principal deles é o fato de a sociedade não perceber a relação entre essas atitudes e os respectivos efeitos na economia. Por exemplo, dados os limites para aumentar o endividamento e a carga tributária, os aumentos de despesa têm sido financiados também com a contração dos investimentos. Acontece que a sociedade culpa o Executivo e não o Congresso pela deterioração das estradas.

Um outro incentivo é o prazer sem custo de fazer a felicidade de servidores. Os parlamentares que derrubaram o veto, na hora de votar, lançaram um olhar triunfante sobre as galerias, cheias de funcionários.

O tosco presidente da Câmara já havia falado que o veto não prosperaria. Os servidores, disse, podiam ficar certos do que "eu vou fazer por eles". Com dinheiro de quem? Os servidores do Congresso, principalmente os de menor salário, ganham acima do mercado, com a vantagem adicional da estabilidade no emprego e de aposentadorias generosas. A aposentadoria média é de 37 salários mínimos (1,8 salário mínimo no INSS). E não há justificativa plausível para reajustar vencimentos e gratificações em 15%, o triplo da inflação prevista para os próximos doze meses.

A derrubada do veto desmoraliza um dos poucos avanços institucionais da reforma administrativa de 2000. Antes, o Congresso tinha o poder de conceder esses aumentos salariais por mera resolução. Com a reforma, passou-se a exigir projeto de lei, o que permitiria o veto presidencial para barrar os excessos. Com a derrubada, ficou provado que nem mesmo as instituições são capazes de defender a sociedade nesse assunto.

A desarticulação política do governo também explica derrota, mas o corporativismo e a irresponsabilidade são as principais causas. Só o tempo dirá se o nosso Congresso vai um dia adquirir uma cultura de responsabilidade fiscal parecida com a do americano ou se virará uma fonte de avanços institucionais. Pelo que se viu da República para cá, isso vai demorar.

É correta e sensata a idéia do governo, de recorrer ao Supremo para tentar barrar o aumento dos servidores do Congresso. O distinto público que paga a conta apóia e agradece.