Título: Maior gargalo do País faz 140 anos
Autor: Agnaldo Brito
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/09/2005, Economia & Negócios, p. B7

A cidade de São Paulo deveria comemorar a próxima terça-feira. No dia 6, há exatos 140 anos, a tecnologia ferroviária venceu a muralha de 800 metros que separam a Baixada Santista do Planalto Piratininga, em São Paulo. Naquele dia foi realizada a viagem inaugural pela estrada de ferro, hoje conhecida como a Santos-Jundiaí. Uma ousadia que deu ao País seu principal corredor de exportação. Mas em nome da precisão histórica, vale o adendo. Aquela viagem não terminou. O trem da São Paulo Railway descarrilou próximo ao destino, já em São Paulo depois de subir a Serra do Mar. Segismundo José das Flores, pseudônimo de Pedro Taques, em tom ácido escreveu numa página de jornal: "Trem não é cabrito para subir serra". A Capitania de São Paulo respirava progresso e ferrovia parecia mais vantajosa do que os tropeiros. Apesar do fiasco inaugural, a percepção foi certeira.

Duas ferrovias respondem hoje pelas rotas que apontam para o mar. A MRS Logística (herdeira do espólio da primeira linha férrea) e Brasil Ferrovias operam hoje os principais corredores de saída e entrada do País. Sobre os trilhos, sobem e descem a Serra do Mar milhões de toneladas de carga. Em 2004, das 67,6 milhões de toneladas movimentadas no Porto de Santos (calculadas as importações e exportações), 8,703 milhões foram transportadas em ferrovias. No primeiro semestre deste ano, as locomotivas que cruzaram a Serra do Mar transportaram 4,989 milhões de toneladas de carga.

Grande parte desse volume, segundo a Portofer ( a concessionária ferroviária responsável pela movimentação interna no Porto de Santos), é de soja e de farelo de soja. Produtos vindos do interior do Brasil, principalmente do Centro-Oeste do País, onde em 30 anos floresceu a agricultura em zona tropical. Apesar de estar a mais de 1.000 quilômetros da área agrícola do cerrado, o corredor Santos-São Paulo, também é responsável por uma fração da competitividade do agronegócio. Grandes exportadores de commodities como Cargill, ADM, Bunge, Coopersucar dependem dessa ligação.

O fracasso da primeira viagem virou história. Em tempos de retomada do setor ferroviário, os trechos de 10 a 15 quilômetros, dependendo da linha, beiram o limite da capacidade de tráfego, dão sentido ao que os especialistas chamam de "gargalo logístico".

INOVAÇÕES

Sobre o mesmo leito que há 140 anos um maquinista, em viagem de teste, faleceu tentado levar um trem ao topo da Serra do Mar será construído um dos projetos logísticos mais ousados do País. A MRS Logística escolhe um dos sete grupos industriais que construirão a maior correia transportadora do Brasil. Com extensão de 18 quilômetros, a linha de transporte através da qual se levará minério de ferro - trazido em composições da MRS do quadrilátero ferrífero de Minas Gerais até Paranapiacaba - para os fornos da Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa), em Cubatão. O projeto orçado em milhões de dólares carregará 5 milhões de toneladas de minério por ano.

Hoje, o sistema cremalheira, linha que substituiu desde a década de 70 a primeira linha, chamada de funicular, desce com no máximo 500 toneladas de carga, seja para abastecer a siderúrgica, seja para levar carga às margens direita e esquerda do Porto de Santos, onde vários terminais recebem a carga para abastecer os navios que atracam no litoral paulista.

Quando estiver pronta no início de 2008, segundo estimativa da operadora, a correia transportadora liberará até 5 milhões de toneladas para transporte nos trens. A MRS admite que o sistema já beira o limite. Deve levar até a Baixada Santista em 2005 até 10 milhões de toneladas de carga, minério para virar aço na Cosipa ou commodity para exportação a partir do cais de Santos.

Em outra ligação entre São Paulo e a Baixada Santista, a Brasil Ferrovias se prepara para novos saltos no transporte de carga, principalmente depois de concluir uma operação de reestruturação econômico-financeira. Investirá, segundo previsão da direção, R$ 1,3 bilhão, uma parte na ligação com Santos.

A companhia, que opera os corredores de exportação que interligam Mato Grosso e Mato Grosso do Sul ao Porto de Santos, trabalha agora com um projeto importante: ter o próprio corredor na Baixada Santista. A única ligação, hoje controlada pela MRS, é motivo de discórdia. A Brasil Ferrovia conseguiu uma autorização da Agência Nacional de Transportes Terrestre (ANTT) e terá um ano para construir, sobre a faixa de domínio da MRS, uma estrada de ferro para chegar à margem direita do Porto de Santos.

Os investimentos projetados para o setor ferroviário nos próximos anos em todo o Brasil tendem a ampliar os volumes de carga transportados também entre São Paulo e Santos. Passados 140 anos de uma inauguração fracassada, a resposta a Pedro Taques foi dada: o trem virou cabrito.