Título: Em SP, bairro também faz a diferença para os mais pobres
Autor: Edney Cielici Dias
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/09/2005, Metrópole, p. C6

Duas visões da desigualdade em São Paulo: homens pobres da periferia têm menos chances de concluir o ensino médio (19,9%) do que mulheres pobres da mesma região (34,4%), e menos ainda do que as que habitam áreas mais ricas (42,4%). Por outro lado, morar na Favela Paraisópolis, situada em uma região com mais dinamismo econômico e estrutura assistencial, é mais vantajoso do que residir em um conjunto residencial na Cidade Tiradentes, no extremo da zona leste, longe das oportunidades de emprego e com menos assistência.

As conclusões são do livro São Paulo - Segregação, Pobreza e Desigualdades Sociais, que será lançado hoje, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, às 19h30. Os textos, de nove pesquisadores do Centro de Estudos da Metrópole, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEM/Cebrap), trazem uma visão atual dos problemas sociais da cidade e propõem olhar o espaço urbano de uma forma mais inteligente.

Imagens de satélite e processamento territorial de indicadores ajudam a antever problemas e planejar ações de governo. O livro foi organizado por Eduardo Marques, do Departamento de Ciência Política da USP e diretor do CEM, e pelo demógrafo Haroldo Torres. Abaixo, trechos da entrevista com os dois:

O livro ressalta a necessidade de analisar periferias, no plural, não periferia, no singular. O que isso significa?As políticas públicas, de forma geral, são muito genéricas?

Torres - Há uma grande diversidade de situações na metrópole. Há áreas pobres, porém com certa estrutura urbana e, ao mesmo tempo, locais igualmente carentes e com situação muito mais precária.

Isso tem conseqüências importantes na formulação de políticas públicas. O Estado tem de ser capaz de produzir respostas adequadas para cada situação. Às vezes, o governo não tem sequer as informações necessárias, como no caso de ocupações clandestinas que ocorrem sem o poder público tomar conhecimento.

Até que esses locais venham a integrar bases de dados governamentais, podem passar anos. As administrações costumam reagir só quando provocadas. Quem grita primeiro, quem tem acesso ao vereador, leva. Nem sempre as pessoas que estão em pior situação conseguem encaminhar as reivindicações e muitos problemas demoram a ser detectados.

Existe hoje instrumental técnico e tecnológico que dê base a uma atuação mais direcionada e eficaz por parte da administração? Marques - Houve um grande avanço nos últimos 20 anos, em termos de monitoramento por satélite, processamento de dados e georreferenciamento.

Hoje, em termos técnicos, não há dificuldade nenhuma. O problema está na produção da informação, que depende de o próprio poder público incorporar as técnicas que permitam gerar políticas públicas inteligentes. Isso implica manter as bases de dados atualizadas, como as de ruas, o que não acontece.

Para fazer um gerenciamento ativo da cidade, é preciso estabelecer e controlar indicadores de alerta. Por exemplo, os dados de nascimento em determinada região indicam qual será a demanda por escolas no futuro. Nos últimos anos, no entanto, o avanço no refinamento da administração urbana foi discreto.

É necessária uma maior qualificação administrativa no sentido de antever os problemas. Assim como há periferias e periferias, há pobres e pobres? Qual a importância dessa distinção?

Torres - Ser pobre próximo do centro é bem diferente do que ser em uma área distante. Imagine, por exemplo, um programa de renda em que toda a população alvo recebe a mesma coisa, independentemente do lugar onde mora.

O pobre que tem posto de saúde menos congestionado e boa escola por perto, que está mais próximo do mercado de trabalho, não está em situação tão ruim como o que não tem nada disso. No México, programas de transferência de renda estão sendo elaborados por local de moradia. Dessa forma, atinge-se eficientemente os mais desfavorecidos.

Marques - É importante notar que os pobres entre os mais pobres têm menor mobilidade no espaço urbano. Têm também menor capacidade cognitiva e menos acesso à informação. Se você não for buscar essa população no lugar de moradia, você não a atinge.

Uma parte do erro de alvo das políticas sociais brasileiras tem a ver com esse efeito. A concentração de serviços públicos em áreas centrais vai contra essas políticas. Acabam sendo alcançados somente os que se movimentam mais. Um exemplo de programa eficiente nesse aspecto é o Saúde da Família, que vai procurar o doente no domicílio dele.

O paulistano é um segregado? O que significa isso?

Marques - O conceito expressa cada um morando com seus iguais. Torres - A segregação entre ricos e pobres em São Paulo é muito parecida com a de negros e brancos numa cidade como Nova York, e aumentou significativamente nos anos 90. Ela está relacionada à valorização da terra, que impossibilita a população de baixa renda morar nas regiões centrais e mais bem estruturadas.

Isso tem conseqüências importantes. Um jovem negro de periferia, de baixa renda, tem uma chance baixa de concluir o ensino médio, em torno de 15%.

ma jovem pobre branca que mora perto do centro tem uma probabilidade de 46%. Há estimativas que dão conta de que 70% das pessoas conseguem trabalho por meio de contatos com conhecidos e parentes. Se a pessoa sem trabalho mora em um local que tem muita gente desempregada, a chance de encontrar emprego se reduz muito.

Marques - Pessoas segregadas têm redes sociais muito homogêneas, o que reduz suas possibilidades. Ter contato com grupos sociais diversos é uma vantagem, pois as experiências se multiplicam e as oportunidades tendem a aparecer.

Qual o papel do mercado imobiliário na segregação urbana?

Marques - Quando não há um padrão construtivo bem ordenado pelo Estado, compatível com a formação de uma cidade pouco segregada e com menos desigualdade, há uma tendência de construir e reconstruir o espaço urbano o tempo inteiro, como ocorre historicamente em São Paulo.

Verifica-se uma concentração de investimentos imobiliários nas regiões mais ricas da cidade e nas franjas dessa área, onde ocorrem os maiores ganhos. É o que ocorre quando se transforma a Vila Leopoldina em objeto de desejo de moradia de alto padrão. É o caso também da ocupação da região da Avenida Giovanni Gronchi e do Tatuapé. Em geral, espaços mais "populares" localizados junto às "áreas nobres". É um processo que reforça os padrões de segregação.

Há 30 anos, o Cebrap publicou um estudo sobre desigualdade e pobreza na capital. Na sua avaliação, o que mudou nesse período?

Torres - Imagine um nordestino chegando a São Paulo em 1975. Ele já estava automaticamente empregado.

Provavelmente, ele moraria numa periferia não muito distante, mas com problemas de saneamento e falta de estrutura urbana em geral. Ele não podia contar com muita assistência do Estado, não havia muitos programas sociais.

O nordestino de agora provavelmente vai morar muito mais longe, terá mais acesso a serviços públicos, vai ter água, o filho vai para a escola. Houve muitas mudanças: a mortalidade infantil, que tinha proporções africanas, caiu drasticamente e o acesso a bens de consumo cresceu.

Mas as oportunidades de emprego minguaram e a violência aumentou.