Título: Mais abertura
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/09/2005, Economia & Negócios, p. B2

As primeiras reações dos representantes da indústria à proposta do Ministério da Fazenda de aumentar o grau de abertura da economia brasileira é a do cavalo que escoiceia quem pretende curar-lhe a pata. A idéia é derrubar a alíquota máxima do Imposto de Importações de 35% para 10,5%. A tarifa média praticada, hoje de 10,8%, cairia para 7,4%. Na prática, as importações seriam facilitadas.

Essa proposta não surgiu do nada. É uma resposta - e talvez não seja a melhor nem a mais viável politicamente - a dois problemas. O primeiro é o de que o mercado externo do Brasil está sendo tomado por novos atores internacionais, especialmente China e um punhado de países asiáticos, que atuam com grande agressividade comercial e baixíssimos custos de produção.

O segundo problema é o de que, para arrancar abertura de mercado dos países ricos nas negociações da OMC, é preciso fazer concessões na estrutura das atuais barreiras alfandegárias.

A indústria brasileira enfrenta séria ameaça de perda de competitividade. A abertura seria o choque estimulador da modernização do parque produtivo - por meio de estímulos à importação de equipamentos de última geração e como maneira de forçar aumento da eficiência.

A economia brasileira passa por transformação estrutural de características diversas das que marcaram o surgimento dos Estados Unidos como potência econômica no início do século 20. Como são, eles próprios, grandes produtores de commodities, o forte crescimento da economia americana a partir de 1890 se fez com baixa participação dos até então tradicionais fornecedores de matérias-primas, entre eles o Brasil.

Mas, desta vez, China, Índia e os outros tigres asiáticos lançam-se à expansão do setor produtivo sem contar com fontes próprias de suprimentos. O Brasil (e um punhado de países em desenvolvimento) ganha agora a oportunidade de mercado que não teve na expansão americana.

O inevitável aumento da importância dos produtos básicos nas exportações brasileiras tenderá a produzir a valorização do real que só poderá ser contrabalançada pelo aumento das importações.

O deslizamento do dólar no câmbio interno não é, como muitos pensam, só efeito temporário da alta dos juros ou de condições excepcionalmente favoráveis do mercado externo. É resultado do processo que empurra para a Ásia boa parte da manufatura dos países ricos.

Esse processo vai inevitavelmente atingir a indústria brasileira, embora não se saiba ainda em que proporção. A crescente dificuldade de setores tradicionais, como os de produtos têxteis, calçados e brinquedos, de manter competitividade externa parece parte do ajuste.

Certos empresários têm reagido com as vísceras ao que está ocorrendo. Chegam a afirmar que câmbio desvalorizado e alta proteção tarifária devem ser a contrapartida estrutural à indústria como compensação por enfrentar altos custos, especialmente a enorme carga tributária e os juros mais altos do mundo. Isso é o mesmo que puxar o piano para junto do banquinho.

Se os impostos estão altos demais, é preciso derrubá-los e não compensar com mais câmbio; se os juros são os mais altos do mundo, é preciso derrubar os juros e não, para compensá-los, impor as tarifas de importação mais altas do mundo.

Tem razão quem diz que isso não se dá de graça. É preciso obter dos países ricos concessões correspondentes. Convém lembrar que essas concessões se concentram na revogação dos subsídios agrícolas. Se saírem, aumentarão o acesso do produto agrícola brasileiro (e não do industrializado) aos mercados dos países ricos.

No mais, se não soubermos para onde vamos, de nada adiantará bloquear o projeto de redução de tarifas defendido pelo Ministério da Fazenda.