Título: Congresso - mensalão para funcionários
Autor: Roberto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/09/2005, Espaço Aberto, p. A2

Em sessão conjunta no dia 31 de agosto, senadores e deputados federais derrubaram o veto presidencial ao reajuste salarial de 15% dos servidores do Congresso Nacional, retroativo a 1º de janeiro, numa votação mal pensada que causará um gasto adicional de cerca de R$ 500 milhões ao governo. Isso se o Supremo Tribunal Federal (STF) não acolher recurso que o Executivo pretende encaminhar a essa Corte, alegando inconstitucionalidade da decisão, por falta de dotação orçamentária. A decisão dos parlamentares é um escândalo monumental, que deveria provocar cobertura da mídia e indignação da sociedade similares às que hoje se observam em torno de outro escândalo em curso, o do chamado mensalão, e seus desdobramentos. Isso porque tal decisão se revela também desastrosa pelo tamanho do prejuízo que causará à Nação e pelos demais disparates com que foi tomada, inclusive a injustiça do seu objeto.

Meio bilhão de reais é uma cifra enorme, em benefício adicional para apenas 30 mil servidores já bem remunerados. Esse valor só do aumento equivale à remuneração anual de aproximadamente 130 mil trabalhadores ganhando um salário mínimo por mês mais o 13º salário. Noutra comparação, é mais de dez vezes a cifra total identificada no escândalo do mensalão, até agora inferior a R$ 50 milhões.

Entre outros disparates da decisão está a sua natureza corporativista, patrimonialista e até nepotista, em face da parentalha de parlamentares ali empregada que também se beneficiará do desatino, juntamente com cupinchas de todo tipo nomeados como assessores pelos próprios parlamentares.

É de pasmar que, conforme registrado pela imprensa, o aumento tenha sido descabida promessa das campanhas do senador Renan Calheiros e do deputado Severino Cavalcanti à presidência das Mesas do Congresso, em fevereiro deste ano. Assim, os 407 deputados e 61 senadores que derrubaram o veto presidencial transferiram sua lealdade aos servidores do Congresso, e traíram os milhões de eleitores que os elegeram, que pagarão a conta do desastre e, certamente, não aprovariam sua atitude. Com ela e outras que ferem o interesse público, esse Congresso, que ainda se diz republicano, não está apenas perdendo sua legitimidade representativa. Foi-se também a vergonha.

Quanto ao objeto da decisão, o reajuste não se justifica em termos absolutos e, em geral, relativamente à situação dos demais funcionários da União, em particular dos que servem ao Executivo, e também dos que trabalham no setor privado. Conforme este jornal publicou no dia seguinte à decisão, a remuneração média mensal por servidor do Senado é atualmente de R$ 14.383 (!), enquanto na Câmara alcança R$ 7.090 (!). Por aí já se percebe uma injustificável disparidade entre as duas Casas - e que o reajuste linear de 15% reafirma -, pois o trabalho realizado pelos servidores de ambas é essencialmente o mesmo, cabendo notar que senadores e deputados federais recebem o mesmo salário.

No Executivo a média de remuneração é sabidamente mais baixa que a da Câmara, mas a comparação pela média fica prejudicada em face da diferente natureza dos cargos e do respectivo número em cada caso.

Que parâmetro deveria, então, ser adotado para avaliar quão adequada é a remuneração no serviço público? Uma regra de eqüidade adotada por empresas, e por governos responsáveis, é o chamado princípio da equivalência salarial, que consiste em aferir como seus salários se comparam com os do mercado de trabalho em geral, para cargos equivalentes nos requisitos educacionais e nas responsabilidades de seus ocupantes.

Ora, se essa comparação fosse realizada pelos parlamentares, eles perceberiam o desatino que orienta suas decisões salariais, pois o resultado seria, conforme indicam levantamentos publicados pelas seções de empregos dos jornais, que em geral a média de remuneração do Senado seria típica de cargos de diretoria, mas não da média, bem mais baixa, do conjunto de empregados objeto desses levantamentos. Já a da Câmara ficaria próxima da de cargos de gerência, mas novamente acima das remunerações médias do conjunto de empregados tomado como comparação.

Ou seja, as remunerações médias dos servidores do Congresso estão bem acima das observadas no mercado de trabalho, numa situação agravada pelos maiores benefícios que predominam no setor público, como a estabilidade e na aposentadoria. Não há, portanto, como justificar um reajuste adicional como o aprovado, seja olhando para dentro ou para fora do governo. O Congresso só olhou para si mesmo e suas desvirtuadas lealdades.

A esse abuso o povo assiste sem representantes à altura, alienado de sua cidadania e impotente diante de desmandos que em seu nome se cometem. A alienação alcança até mesmo os cidadãos bem educados, como alguns colegas economistas, que continuam a discursar abstrata e ingenuamente pela redução do gasto público e da carga tributária sem levar em conta o lamentável contexto político em que ambos são persistentemente aumentados. Lamentável, em particular, por essa alienação da classe política em relação aos interesses do povo e da Nação.

Assim, enquanto o povo e a mídia se prendem aos espetáculos das CPIs, o Congresso sancionou e agravou mensalões de outro tipo para seus servidores. A escala individual dos ganhos é menor, e o STF poderá até atestar a legalidade do ato. Mas, noutro aspecto, os dois escândalos se equivalem, pois em qualquer caso o dinheiro é apropriado segundo padrões de uma República indigna do nome.