Título: A indústria da esmola
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/09/2005, Notas e Informações, p. A3

Três mil crianças trabalham vendendo quinquilharias ou pedem esmolas nos cruzamentos de ruas de São Paulo. São exploradas pelos pais e pelas máfias dos semáforos, que arrebanham meninos e meninas na periferia pobre, para distribuí-los na cidade, onde a maioria representa o papel de órfãos miseráveis ou de filhos de desempregados. Chegam em peruas, que transportam também sacolas cheias de balas e outros produtos previamente embalados e rotulados com mensagens impressas, apelando ao bom coração dos motoristas. Esse mercado, conforme levantamento da Prefeitura, movimenta mais de R$ 20 milhões por ano nas esquinas de São Paulo. A quase totalidade fica para esses "empresários" dos faróis. Um mínimo vai para os pais, e nada para as crianças. Para acabar com a exploração dos meninos e adolescentes e convencer a população de São Paulo de que a esmola só faz crescer o número de pedintes, a Prefeitura de São Paulo lançará, em outubro, a campanha publicitária "Dê mais que esmola, dê futuro". Além da campanha, um plano amplo de assistência às crianças e às suas famílias será colocado em prática, garantindo, por exemplo, prioridade nos programas sociais. Em vez de entregar o dinheiro nas mãos das crianças, os paulistanos serão incentivados a destinar os recursos ao Fundo Municipal da Criança e do Adolescente (Fumcad), que recebeu, nos primeiros oito meses deste ano, R$ 8 milhões. As autoridades municipais acreditam que a campanha poderá levar ao fundo pelo menos R$ 200 milhões.

Programas semelhantes foram instalados em cidades como Curitiba que, em dois anos, reduziu pela metade o número de crianças pedintes nas ruas. Porto Alegre, que também dispõe de um fundo para assistir as crianças, conseguiu arrecadar R$ 80 milhões neste ano. Os recursos foram encaminhados às organizações sociais que mantêm vínculo com a prefeitura local para o atendimento à população carente.

A tarefa em São Paulo exigirá esforço ainda maior. Isso porque está mais do que comprovado que as crianças que trabalham ou pedem esmolas nas ruas da capital não estão desassistidas: a quase totalidade tem casa, escola e ajuda dos programas sociais do governo. Não deixam as ruas porque seus ganhos são altos. Cada criança fatura nos faróis, em média, "salários" mensais que variam de R$ 400,00 a R$ 600,00.

Pesquisa feita pela organização não-governamental Projeto Travessia, em conjunto com a Prefeitura, nas ruas de Pinheiros, comprovou que apenas 3% de 293 crianças e adolescentes entrevistados nunca estudaram ou não estão matriculados na escola. Noventa por cento dos meninos estão inscritos em programas sociais, dos quais 39% recebem o Renda Mínima; 20% o Bolsa-Escola; 14%, o Leve-Leite.

O que muda, de região para região da cidade, é o perfil do atendimento prestado pelo governo. Estudo semelhante realizado em São Mateus, numa das áreas mais carentes da zona leste, mostrou que, das 344 crianças avaliadas, 60 são atendidas pelo Programa pela Erradicação do Trabalho Infantil, que paga R$ 40,00 por mês.

Apesar de os programas atenderem amplamente as crianças necessitadas, o que elas ganham em um mês por meio desse tipo de assistência é, na maior parte das vezes, menos do que recebem em um único dia nos cruzamentos.

Assim, mais do que uma nova versão de programa assistencial é preciso um amplo trabalho conjunto das Secretarias Municipais de Assistência Social, Saúde, Educação, assim como das Secretarias de Estado da Segurança Pública, Polícias, Conselhos Tutelares da Criança e do Adolescente, Juizado da Infância e d o Adolescente, a classe empresarial e toda a sociedade.

Os exploradores devem ser identificados e punidos. As famílias precisam de assistência, mas a fiscalização dos quesitos que asseguram a transferência de renda, como a manutenção das crianças nas escolas, deve ser rigorosa. A escola precisa cumprir seu papel, estendendo o atendimento ao aluno por meio do programa Pós-Escola.

Os R$ 20 milhões anuais que os motoristas paulistanos dão de esmola nos semáforos, ou gastam comprando o que as crianças lhes oferecem, somados aos auxílios das empresas, seriam mais do que suficientes para afastá-las definitivamente das ruas.